Junho é o mês para pensar em festa junina, não? Estas festividades são muito representadas por suas músicas, danças, vestimentas e decorações típicas. Além, claro, da sua gastronomia, que envolve muito o milho – alimento com ciclo de colheita focado justamente no mês de junho – e o amendoim. Mas você conhece a origem da festa junina, e, principalmente, da sua gastronomia?
Por acontecer em razão da forte possibilidade de colheita de grãos e raízes em junho, a festa junina carrega uma história intimamente atrelada ao alimento, assim como intrinsecamente correlacionada à própria história do Brasil e suas celebrações originárias ligadas à agricultura.
A culinária junina é um fenômeno multicultural, que representa diferentes regiões do Brasil por meio da comida. No norte do país, é típico nesse momento o cuscuz e o mingau de milho. No nordeste, o curau, a canjica, o bolo de milho e a pipoca são dominantes. No centro-oeste, o arroz doce e a cocada fazem parte do clima frio e chuvoso. É característico da região sul, por sua vez, o pinhão e o quentão. Já no sudeste, o pé de moleque e a maçã do amor marcam presença. Dito isso, é importante ressaltar que essas não são apenas receitas, mas sim marcas culturais: simbolizam um momento histórico que se reflete no hoje e que se origina na própria terra, refletida em tradições, opressões e ressignificações.
Os ingredientes tradicionais das receitas juninas são originalmente colocados a partir de um processo civilizatório de dissolução e junção de costumes indígenas e lusitanos. A festa junina representa o solstício de verão em Portugal, que originalmente acontecia sob uma ótica de paganismo e que, depois, adquiriu caráter católico: incorporando em três santos, São João, São Pedro e São Paulo, suas características.
A festa foi trazida com os jesuítas ao território brasileiro (pelo solstício de inverno) no momento de invasão do que viria a ser o Brasil e, dessa forma, uniu-se às festas tupiniquins que celebravam a colheita em junho do que foi plantado em maio – já existentes nas culuras originárias. Essa agricultura seria, justamente, marcada por matérias-primas amplamente cultivadas por indígenas que viraram marca da celebração, como o milho e o amendoim.
Assim, apesar de ter incorporado elementos da tradição europeia, por ser, de acordo com o historiador Câmara Cascudo, o momento em que “as populações do campo festejavam a proximidade das colheitas e faziam sacrifícios para afastar os demônios da esterilidade, pestes dos cereais e estiagens” (CASCUDO, 1988, p. 404), a festa junina traz consigo diversas referências da cultura nativa e ancestral, principalmente tupi, por conta da incorporação ao longo dos anos.
As festas juninas brasileiras conservaram tradições originárias envolvendo o cultivo, o plantio e o ciclo de elementos naturais (como por exemplo, o fogo por meio da fogueira, que utiliza em seus rituais, inclusive, a espiga de milho). Maços e frutos sobre a terra formam um carvão, quando queimado, que representa aos indígenas a proteção contra raios e trovões e, consequentemente, a congruência do plantio desses próprios frutos, raízes, sementes, oleaginosas típicos da época – retroalimentando o significado da festa. (DEL PRIORE, 1994, p. 33-34). Assim, a festa junina obteve grande aceitação no Brasil colonial e pôde estar entre as celebrações mais características do povo tupi do litoral.
Dessa forma, as festas juninas, apesar do certo caráter de doutrinação de sua origem, ao longo dos anos, incorporaram diversos elementos de uma cultura popular Brasileira que manteve os pontos principais da comemoração, como a farta alimentação, danças, músicas, bebidas entretanto distanciando-se um pouco de seu caráter religioso que buscava justamente em seus personagens, santos e pregações uma europa recém-cristianizada, mas no Brasil. (CASCUDO, 1988, p. 404)
Com a história da festa junina em mente, sua origem na agricultura e o conhecimento das extensas possibilidades de plantio e colheita no solo brasileiro, entendemos o porquê de a culinária estar tão tipificada e culturalmente atrelada à tradição.
Por isso, trazemos hoje aqui uma receita ilustrada de bolo de milho, para aproveitar a festa junina da forma com que ela é (ou pelo menos deveria ser) representada hoje: com muita consciência, história, tradição e ancestralidade.
Bibliografia/recomendações:
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro. São Paulo: Companhia de Bolso, 2006.
CARDIM, Pe. Fernão. Tratados da terra e gente do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1978. (Coleção Brasiliana, 168).
CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. 6. ed. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1988. (Coleção Reconquista do Brasil, 2ª série, 151).
KIDDER, Daniel P.; FLETCHER, James C. O Brasil e os brasileiros. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1941. v. 2. (Coleção Brasiliana, 205 A).
SALES, Nívio Ramos. Rezas que o povo reza. 10. ed. Rio de Janeiro: Pallas, 2006. MORAES FILHO, Mello. Festas e tradições populares do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro/Paris: Garnier, [ca. 1900]. BOSI, Ecléa. Cultura e desenraizamento. In: BOSI, Alfredo. Cultura Brasileira: temas e situações. São Paulo: Ática, 1992 FREIRE, Gilberto. Características gerais da colonização portuguesa no Brasil: formação de uma sociedade agrária, escravocrata e híbrida. In: Casa grande e senzala. Rio de Janeiro: José Olympio, 1980.
https://www.scielo.br/j/se/a/CKfgpNM88ZHPTwv83rttXpS/?lang=pt#
https://www.vidapastoral.com.br/edicao/as-raizes-indigenas-das-festas-juninas/
Texto: Luiza Lindner
Ilustração: Diego Claudino
Revisão: Isabela Pretti