Adoniran Barbosa: o sambista e a cidade

Neste artigo você conhecerá um pouco da vida e obra de Adoniran Barbosa, especialmente do ponto de vista de sua relação com a cidade de São Paulo entre as décadas de 30 e 70, e como esta influenciou suas músicas e poéticas. 

“Todo relato é um relato de viagem – uma prática do espaço.” 

(Michel de Certeau) 

Adoniran Barbosa (1912-1982), o João Rubinato, foi um icônico sambista paulista que deixou sua marca e revolucionou a cena do samba nacional entre os anos 50 e 80. Filho de uma família pobre, antes de se dedicar a música, Adoniran exerceu diversas profissões e morou em diferentes localidades da cidade e do estado de São Paulo. Além de sambista, também destacou-se como radioator no programa “Histórias das Malocas”, uma radiopeça escrita por Osvaldo Moles. 

Algumas de suas canções mais famosas são: Saudosa maloca (1951), Samba do Arnesto (1953), Iracema (1956), Apaga o fogo Mané (1956), Tiro ao Álvaro (1960) e Trem das onze (1960). Além da qualidade musical e técnica impecáveis de seus arranjos, as letras dessas canções nos revelam a realidade crua da cidade de São Paulo na época, colocando em evidência as dificuldades enfrentadas pelo povo pobre que tentava sobreviver na metrópole que se erguia luxuosa e rapidamente. 

“Se o sinhô não está lembrado

Dá licença de contá

Que aqui onde agora está 

Esse adifício arto

Era uma casa velha

Um palacete abandonado 

Foi aqui seu moço 

Que eu, Mato Grosso e o Joca 

Construímos nossa maloca

Mas um dia, eu nem quero me alembrá

Veio os homis co’as ferramenta 

Que o dono mandô derrubá 

Peguemo tudo as nossas coisas

E fumos pro meio da rua 

Apreciar a demolição

Que tristeza que eu sentia
Cada tauba que caía 

Doía no coração” 

(BARBOSA, Adoniran. Saudosa maloca. 1951) 

A letra acima é um trecho da música “Saudosa maloca”, e retrata o fenômeno que ocorria na cidade de São Paulo nos anos 50, principalmente, quando inúmeras moradias precárias (cortiços, barracos, construções improvisadas) foram demolidas por falta de regularização ou para evitar que o progresso industrial e urbanístico da capital fosse interrompido. Esse tipo de arquitetura, por assim dizer, possuía uma relação extremamente problemática com o poder público da época e representava um local provisório, frágil e vulnerável para seus moradores.

Na São Paulo que começava a se desenhar na década de 1930, havia muitas contradições e transformações em curso. A capital paulista era uma das cidades com a urbanização e o crescimento populacional mais acelerados do país, o que criou uma contradição entre a modernização e a precarização da vida na cidade urbana. As narrativas dominantes da metrópole, em especial aquelas que apareciam nas grandes mídias da época, valorizavam, sobretudo, o trabalho, a aceleração e o futuro, em detrimento de uma grande massa populacional que muitas vezes não usufruía de direitos básicos como moradia, saneamento, trabalho formal, saúde e educação. 

Havia uma tentativa de criar uma metrópole homogênea, que canalizava seus esforços nos aspectos quantitativos de crescimento, progresso e evolução. Isso colaborou para consolidar a característica do individual na cidade, deixando de lado o valor qualitativo do coletivo, dos grupos subalternizados e das pessoas que estavam na base da construção dessa cidade grandiosa. Nesse sentido, a cidade não dava suporte à memória e ao passado, pois mirava apenas no futuro. Aqueles que não estavam “acompanhando” tais mudanças ficavam cada vez mais à margem da história da cidade. 

Adoniran Barbosa imprime nas poéticas de seus sambas justamente um olhar que vai na contramão da lógica industrial da São Paulo da década de 50. As letras de suas músicas narram o que estava acontecendo fora das grandes mídias da época, o que estava sendo negado: a cultura das massas e a linguagem popular, a realidade da classe trabalhadora e operária, os desafios diários de se viver em uma cidade recém industrializada, em constante transformação. Nesse sentido, seu trabalho nas rádios foi essencial, pois desde a década de 30 este já havia se consagrado como uma potente forma de comunicação com a sociedade de massas. 

Dessa forma, o sambista desempenhou um importante papel como “retratista” da cidade, se apropriando dela e resgatando memórias e narrativas negligenciadas. A síntese de sua obra se faz presente na diversidade e pluralidade cultural em São Paulo, revelando justamente uma cidade heterogênea e reforçando o valor do momento presente na construção histórica. Além disso, Adoniran possuía a forte característica de utilizar em seus sambas a linguagem oral, o que o aproximava ainda mais de seus ouvintes, pois tratava-se de uma linguagem cotidiana, com a qual o homem comum se identificava. 

Adoniran esteve até o fim de sua vida afinado com as vozes e os sons da cidade, se consagrando como um dos mais icônicos narradores de nossa metrópole, colocando luz sobre a história de negros, retirantes nordestinos e imigrantes.  Nas palavras de Adoniran: 

“Meus sambas não nascem com horas marcadas, não são consequências de inspirações. Eles nascem por si, por mim, pelas coisas. Contam de uma São Paulo grande, falam de gentes simples, humanas, das malocas, dos malandros, de gente boa. […] O que sei hoje, aprendi na vida. Meu jardim de infância foi a rua.”* 

Não à toa, uma das salas mais emblemáticas do CCSP leva o nome de Adoniran Barbosa, como uma homenagem a esse artista brasileiro fundamental. Além disso, é possível encontrar parte de sua discografia na Discoteca Oneyda Alvarenga e uma série de livros e biografias sobre o sambista nas Bibliotecas do CCSP. 

Viva Adoniran e as múltiplas narrativas da cidade! 

 

NOTAS:

*Fala de Adoniran em Marlene Benicchio, “Samba do Metrô”, Última Hora, São Paulo, 20.06.1975, p. 5. 

+Para saber mais: 

ROCHA, Francisco. Adoniran Barbosa: o poeta da cidade. São Paulo, 2002. Ateliê Editorial. 

 

Texto: Tessi Ferreira 

Revisão: Isabela Pretti 

Ilustração: Tamiris Viana 

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