Nos últimos anos, a música pop produzida na Coreia do Sul vem quebrando recordes e causando um impacto semelhante ao da produção artística norte-americana desde o início do século 20 e da “invasão britânica” da década de 1960. Os chamados idol groups, como são conhecidos em seu país de origem, extrapolaram as fronteiras coreanas e se tornaram o que hoje conhecemos – ou ao menos já ouvimos falar – por K-Pop, sendo o “k” de South Korea (Coreia do Sul) e o pop conotando música popular, como nos acostumamos a usar para outras nacionalidades também. Como ponto de encontro de fãs dessa manifestação cultural tão abrangente, que se centraliza na música, mas dialoga com a moda e as artes visuais, o CCSP tornou-se uma referência, ao receber diversos grupos que se encontram para discutir as novidades da área e principalmente ensaiar coreografias das performances de seus ídolos.
Embora a exportação da música coreana tenha se iniciado apenas no século 21, foi em 1992 que a apresentação enérgica e dançante do grupo Seo Taiji & Boys, em um show de talentos, transmitido por uma das três emissoras coreanas da época, chocou o público, foi mal recebida pelos jurados e, no entanto, tornou-se um marco na cultura coreana – dominada, até então, por canções patrióticas encomendadas pelo governo de Park Chung-Hee (1917-1979) e seus sucessores no poder.
O grupo em questão cresceu cada vez mais e, com o tempo, misturou referências da cultura hip hop com vestimentas pesadas e passos de dança mais expansivos, que iam contra a cultura tradicional presente na maior parte das linguagens artísticas do país. No geral, as letras contêm referências à falta de liberdade de expressão de um modo mais sutil, em canções como Come Back Home e 필승 (必勝 (Must Triumph) – até porque, quando eram feitas de forma mais incisiva, chegavam a ser censuradas pelo governo da época, como em 시대유감 (Regret of the Times).
A economia coreana, que no início do século 20 permaneceu estável, registrou sucessivos superávits entre 1970 e 2000 e, mesmo após a crise financeira asiática de 1997, levou à implantação de uma lei que determinava o investimento de 1% de todo o orçamento estatal da Coreia do Sul para a cultura. Com isso, idol groups que estrearam na época se tornaram os principais produtos de exportação do País – em um primeiro momento, direcionada apenas para países vizinhos – e, com este investimento, passaram a se reinventar artisticamente e investir cada vez mais na divulgação.
O processo de formação dos grupos consistia, assim como em gravadoras ocidentais, no recrutamento dos integrantes por meio de audições, no treinamento desses e na montagem final do grupo, em que cada um desempenha um papel determinado – compositor, dançarino, rapper, etc. –, sendo possível até a mesma pessoa realizar mais de uma função ou a mesma função ser exercida por mais de um integrante. O controle que as gravadoras exercem sobre os artistas, dessa forma, é mais incisivo do que no Ocidente, já que uma imagem “limpa” dos idols é uma das principais preocupações das empresas que os agenciam. Dos relacionamentos pessoais à posição política, todos os passos são estritamente calculados e visam a moldar os artistas conforme os interesses financeiros e mercadológicos da gravadora, sendo algumas das mais famosas a BigHit, a JYP e a SM Entertainment.
Com isso é comum que fatores externos desencadeiem o fim dos grupos, seja por homens precisarem se apresentar ao exército ao completarem 21 anos, seja pelo envolvimento em polêmicas consideradas inadequadas para as empresas em relação a determinado(a) integrante. A relação gravadora-música ou comércio-produto é muito mais próxima e direta do que normalmente acompanhamos no Ocidente e os lançamentos possuem outras estratégias de divulgação, sendo normalmente disponibilizados o single principal, seu videoclipe correspondente e o álbum completo para streaming e vendas físicas no mesmo dia. Os retornos (comebacks) dos artistas, dessa forma, ocorrem com uma frequência muito maior – sendo, normalmente, um a cada dois anos, no Ocidente, e um a cada seis a oito meses, na Coreia.
Em 2012, o videoclipe do single 강남스타일 (Gangnam Style) do cantor solo Psy foi lançado e quebrou o recorde como o vídeo mais visto no YouTube, sendo o primeiro na história a atingir um bilhão de visualizações, aumentando a visibilidade do que se produzia na Coreia e abrindo as portas para que o investimento nas produções audiovisuais do País, até então limitado ao Oriente, se expandisse para os dois principais mercados fonográficos mundiais: o britânico e o norte-americano.
De lá para cá a preocupação estética com a apresentação dos grupos passou por vários processos de refinamento e, com a globalização e a maior facilidade no estabelecimento de conexões cada vez mais frequentes entre nações mundiais, grupos como Girls Generation, BTS (Bangtan Sonyeondan, que seria, na tradução, algo próximo a garotos à prova de balas), EXO (originalmente dividido em dois grupos, um chinês e um coreano, com o nome derivado de Exoplanet) e BLACKPINK (nomeado dessa forma com a intenção de desconstruir a delicadeza e o lugar-comum a que se atribui o sentido da cor rosa). Como exemplos do alcance desses grupos, o videoclipe da canção Boy With Luv, do grupo BTS com a participação da norte-americana Halsey, por exemplo, lançado em abril de 2019, causou um grande impacto mundial, sendo atualmente o clipe mais visto no dia de lançamento com 78 milhões de visualizações nas primeiras 24 horas. No mesmo mês, o grupo BLACKPINK tornou-se o primeiro de origem coreana a realizar uma apresentação no renomado festival novaiorquino Coachella, que costuma contar com cerca de 75 mil espectadores.
Se vários empréstimos da língua inglesa fazem parte do vocabulário das fanbases (ou grupos de fãs) na cultura pop em geral, no K-Pop isto não seria diferente. Do bias (pessoa favorita daquele determinado grupo) aos MVs (abreviação para music videos ou videoclipes), os fãs se espalham pelas redes sociais e se conectam de várias formas para discutir os lançamentos mais recentes, teorizar acerca do conceito de cada nova fase e marcar sessões de ensaios ou até mesmo flashmobs em locais públicos como o vão do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP) e o Centro Cultural São Paulo (CCSP).
No pop coreano, uma mesma música pode reunir influências do rap, da EDM (electronic dance music), do punk e de vários outros ritmos, misturando técnicas vocais, solo ou em grupo, e diferentes ritmos e compassos que se alternam e se sobrepõem dentro de uma mesma canção. É comum que tenhamos a impressão de estar ouvindo diferentes músicas quando na verdade uma mesma unidade condensa todos esses estilos. O que faz a diferença é a forma como eles se repetem e se conectam, desenvolvendo ainda letras a respeito de temas como depressão, ansiedade, relacionamentos abusivos e preconceitos, transmitindo sensações diversas em uma única escuta e trazendo aspectos que fazem referências a outros artistas ou a trabalhos anteriores próprios, ao criar um conceito único que se expande em todo o álbum e, em alguns casos, em toda a carreira do idol ou do respectivo grupo.
No CCSP, como foi citado, grupos de dança, tanto amadores como profissionais, encontram-se semanalmente para ensaiar as coreografias de seus videoclipes preferidos. O impacto desses artistas na indústria fonográfica continua sendo muito expressivo. Recentemente, os idol groups quebraram sucessivos recordes em plataformas como o Spotify, o Deezer e o YouTube, lotando turnês em estádios mundo afora. O K-Pop não deve ser visto apenas como um gênero musical, uma estratégia pontual de recuperação econômica ou uma mera corrente de artistas que promovem canções populares, mas também como uma manifestação cultural plural que, com músicas híbridas, coreografias complexas e letras que dialogam com problemas sociais mais latentes no cotidiano das gerações mais jovens, criam uma atmosfera moderna, acessível e diversa.
+Para saber mais:
O impacto do K-Pop no consumo de cultura mundial
Vídeo de 강남스타일 Gangnam Style, do cantor Psy
Vídeo de Boy With Luv, do grupo BTS com a cantora Halsey
Texto: João Vitor Guimarães
Revisão: Paulo Vinício de Brito
Ilustração: Beatriz Simões
*Publicado em: 11 de abril de 2019