“Eu ainda posso”, “ Eu ainda conquisto plateias”. Mais que frases são declarações que denunciam a paixão efervescente e enciumada de uma vida em defesa da Arte. Nascida em 4 de dezembro de 1940 no Morro de São Bento, Lizette Negreiros é reconhecida por suas atuações no teatro, televisão e cinema, nacional e internacionalmente.
Por Camila Martins* | Redação CCSP | Fotos:MANDELACREW e Arquivo “Jornal A Tribuna”
07/10/2025
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Origens
A referência no teatro negro nasceu com seu destino traçado em suas veias, filha de doméstica e ferroviário e a mais velha de seus cinco irmãos, viveu sua infância entre saraus, dramaturgia e música. “Meu pai tocava violão, minha tia era rádio atriz e cantora, minha mãe, meus irmãos e primos, todos gostavam de cantar.” Eu tive uma educação simples, mas independente dos problemas estruturais de uma família de poucos recursos, dentro de casa houve um aprendizado que norteou meus passos até hoje.”
Sem doutorados e mestrados Lizette fez da dedicação e especialização em Teatro propósito de carreira após desistir do ramo da enfermagem. É o que resgata em entrevista Néia Negreiros com uma memória inesquecível da irmã, cuja educação formal foi abandonada por necessidade de cuidados familiares e falta de recursos : “A Lizette é aquela mãezona, né? Cuidava de todos, não deixava faltar nada para ninguém. Tudo que tivesse ao alcance dela, ela estava ali presente, cuidando de todos, exatamente de todos, pai, mãe, irmãos..”
Teatro amador
Como participante ativa de grupos teatrais santistas como Real Centro Português, Persan (Grupo Teatral Perspectiva de Santos) e TEVEC (Teatro Estudantil Vicente de Carvalho), ao lado de colegas como como a atriz Cleide Eunice Queiroz e a crítica teatral Carmelinda Guimarães, enfrentou a censura da Ditadura Militar brasileira com a montagem “A Invasão” de Dias Gomes, que exibido poucas vezes não pode ser levado adiante. No entanto, é na mesma época que com Cleide, Lizette muda sua rota de vida para São Paulo com a determinação de tornar-se atriz profissional. E deu certo!
Profissionalização
Dos palcos pelo Brasil com “Morte e vida Severina” (1969), obra que deslanchou sua carreira ao interpretar o retirante Severino, a “A hora da estrela” (1985) nas telonas, Lizette foi consagrada com diversos prêmios, dentre eles: o APCAs (Associação Paulista de Críticos de Arte), prêmio Moliére e Unicef, além de prêmios APETESP (Associação dos Produtores de Espetáculos Teatrais do Estado de São Paulo) e Governador do Estado de São Paulo por unanimidade dos jurados.
Teatro Infantil e Jovem
Finalmente em 1970, com “O Rapto” que seus olhos brilharam e voltaram definitivamente para o Teatro Infantil. Impulsionada por seu grande amigo, Paulo Lara, e pela falta de oportunidades após a interpretação de Hamlet (1969), a artista aceita o desafio ousado de representar com outros atores uma família negra. Mais viva como nunca, a intérprete via no público um ambiente criativo e sem barreiras intelectuais e estéticas. Dá década seguinte em diante, fora da mágia que se esconde entre as cortinas e do contato direto com o proscênio, Lizette exerceu por mais de 30 anos a função de curadora da área no Centro Cultural de São Paulo com o propósito de educar e transformar a vida dos pequenos na esperança de uma sociedade mais tolerante.
Afastando-se do espetáculo comercial, Lizette dizia trabalhar com “dramaturgia de verdade”. “Sempre no teatro, que é onde eu me encontro… E o Centro Cultural acaba sendo a minha casa do experimento! [..] É aqui, no meu serviço, que eu tenho essa liberdade. Eu sou respeitada e tenho confiança pra experimentar e trazer espetáculos.” Foi com a promoção da exibição de peças como “Fortes Batidas” (2018) e “CAFÉ” (2019), assim como a realização do “Projeto Este Mundo é Meu” (2001-2008) que Lizette Negreiros articulou a discussão sobre a dramaturgia infantil e jovem, seu incentivo e reconhecimento pelo público.
Ex-Presidente da Associação Paulista de Teatro para Infância e Juventude (APTIJ), discutia a arte para a criança, a importância do teatro, da educação e do livro. E lutou contra a exclusão de negros dos destaques artísticos. Longe dos padrões estéticos do audiovisual, a atriz preferiu concentrar-se na execução de um serviço público de qualidade mantendo sua moralidade e reputação.
Em depoimento colhido na obra “Memórias do Teatro de Santos” de Carmelinda Guimarães, Lizette destaca: “Nós [Lizette e Cleide Queiroz] fizemos também comerciais, ganhamos vários prêmios. Mas parei de fazer comerciais porque era chamada somente para fazer a empregada. Nada contra a categoria, mas acho que está na hora de parar de fazer papéis submissos, servis. Por isso me dediquei ao teatro infantil, graças ao Paulo Lara. Se não obtive fama nestes 25 anos de trabalho, conquistei algo muito importante: o respeito da minha classe. Sou uma atriz negra, santista, com muita honra, embora não seja reconhecida estou há 25 anos trabalhando no teatro. Se estivesse na TV todo mundo me reconheceria.”
Sempre atenta às novidades na cena, Lizette fazia questão de captar a atenção e não perder a fidelidade de seu público. Ela sabia que a infância e juventude precisavam ser conquistadas constantemente: “A televisão avançou, o cinema avançou! E o teatro também tem que acompanhar. E as demandas do público também são outras. Cabe a mim, como curadora, abrir as portas pra essas novas demandas. O teatro não pode ficar para trás.”. Assim como a programação adapta-se às transformações sociais de cada geração e período vivido.
Últimos trabalhos
Sua última aparição é dada na obra distópica de Gustavo Vinagre “Três Tigres Tristes” (2023). O longa retrata a vivência de três jovens LGBTs unidos por tragédias que lutam pela sobrevivência em meio a pandemia e capitalismo desenfreado. Interpretando a avó de Jonata Vieira, a atriz coincide com sua aura matriarca e de zelo pela arte e inclusão.
“O que me faz voltar não é o meu trabalho. Eu tenho um trabalho, mas defendo uma área. É a defesa dessa área que me faz voltar, porque eu não sei se ela será mantida do mesmo jeito depois que eu me aposentar. O Centro Cultural não pode ficar sem o teatro infantil e nem sem o teatro jovem, então eu sigo lutando por essas dramaturgias tão necessárias. Quem sabe eu encontro uma pessoa pra ficar no meu lugar, daí eu saio! Mas com ciúme, falando assim: “Ó, qualquer coisa cê me liga, hein? Liga porque eu tô de olho!” Quem sabe?”
Legado vívido e pulsante
Assim despede-se Lizette Negreiros, com ciúmes, mas também com amor, deixando na memória um legado que une talento e contribuição inestimável à arte e à cultura brasileira. Legado o qual o Centro Cultural São Paulo orgulha-se em compartilhar com o público através de nossa curadoria e programação. A iniciativa da Mostra Lizette Negreiros de de Arte Infantil e Jovem criada no ano de 2023 em homenagem a grande artista permite anualmente dos pequenos e jovens aos mais velhos despertarem em si a liberdade, cultura, criatividade, diálogo e o pertencimento tão clamado por Lizette Negreiros.
É com esse propósito que o Centro Cultural São Paulo retoma a divisão especializada de curadoria de Teatro Infantil e Jovem, através da tutoria de Marcos Seixas nas configurações consagradas e desenvolvidas pela saudosa atriz. E inaugura o espaço Lizette Negreiros, local aconchegante e especial destinado não apenas a leitura para as crianças, mas também ao despertar de sentimentos, da imaginação e inserção das crianças como seres pensantes que constituem relações com diversas formas de expressão e suas próprias particularidades.
Muito mais que o mês da Criança em outubro, a programação e curadoria estende-se por todos os dias no Centro Cultural São Paulo. Acompanhe através do site e redes sociais, contações de histórias, espetáculos teatrais, lançamentos de obras, palestras, danças e outras programações imperdíveis, agora em um página no instagram exclusiva! Siga e não perca nenhuma novidade (clique para acessar o link)
*Supervisionado por Felipe Cartier
Links de consulta:
- CENTRO CULTURAL SÃO PAULO. Quem fez, quem faz: Lizette Negreiros. (Clique para acessar o link)
- CENTRO CULTURAL SÃO PAULO. Adeus, Lizette Negreiros (Clique para acessar o link)
- CENTRO CULTURAL SÃO PAULO. “Este Mundo É Meu!”: a cultura, o pertencimento e a generosidade de Lizette Negreiros. (Clique para acessar o link)
- CENTRO CULTURAL SÃO PAULO. Agendinha Dezembro 2024, p. 33. (Clique para acessar o link)
- CENTRO CULTURAL SÃO PAULO. Um pouquinho do teatro infantil, 2023. Disponível em: https://centrocultural.sp.gov.br/wp-content/uploads/2023/09/um-pouquinho-de-teatro-infantil-Centro-Cultural-Sao-Paulo.pdf
Externos:
- CENTRO BRASILEIRO DE TEATRO PARA A INFÂNCIA E JUVENTUDE. Um pouquinho do teatro infantil.Disponível em: https://cbtij.org.br/lizette-negreiros/
- REVISTA O MENELICK 2º ATO. Lizette Negreiros. Disponível em: .https://www.omenelick2ato.com/artes-da-cena/teatro/lizette-negreiros
- NOVA MILÊNIO. Lizette Negreiros. Disponível em: https://www.novomilenio.inf.br/santos/h0121z22.htm
- ADORO CINEMA. Três Tigres Tristes. Disponível em: https://www.adorocinema.com/filmes/filme-300448/


