No dia 22 de novembro de 2022, às 14h, o Júri da Semana Paulistana do Curta-Metragem 2022, composto pelos (as) profissionais João Campos, Natara Nery e Tatiana Travisani, reuniram-se e deliberaram sobre a premiação do concurso.
Em ata, definiu-se o seguinte resultado:
1º lugar – Mutirão: O Filme, de Lincoln Péricles
O júri destaca a inventividade singular da obra ao narrar o processo de mutirão responsável pela construção de um bairro popular. Nessa configuração, nota-se a incorporação surpreendente de uma narradora das novas gerações que apresenta um estilo de diálogo profundamente enraizado nas novas modalidades de comunicação que ganham força com a sedimentação da internet e das redes sociais na imaginação coletiva. Trata-se de uma obra singular que abre caminhos para a invenção num contexto tecnológico, político e estético. Fazendo confluir passado e presente a partir de um evento silenciado pelas grandes narrativas históricas da cidade e do estado, mas muito importante para a memória dos pobres e trabalhadores da periferia de São Paulo, a obra instaura com alegria e crítica uma experiência de rememoração paradoxalmente explosiva e serena que contribui de forma original para a reconstrução da imaginação de um país que, mais do que nunca, precisa se reconstruir no campo da política e da cultura em vários fronts – entre eles, o cinema. Diante do filme, enxergamos a necessidade de multiplicar os mutirões para levantar casas, bairros, filmes, cineclubes, festivais, universidades, escolas na missão sempre renovada de reconstruir um país com e para os trabalhadores e trabalhadoras.
2º lugar – Luta Pela Terra, de Camilla Shinoda e Tiago de Aragão
O júri notabiliza o confronto entre dois gestos aparentemente contraditórios, mas que na obra encontram um regime de confluência surpreendente. Acompanhando a luta do movimento indígena em Brasília, o documentário incorpora uma temporalidade dilatada e contemplativa que flana pelo acampamento respeitando a duração das falas das lideranças, mas também dos corpos em luta e em confraternização por melhores condições de vida e direitos imprescindíveis para a manutenção da existência dos modos de vida de povos originários no Brasil contemporâneo. Por outro lado, a obra se organiza como um filme de trincheira em que esta temporalidade encontra o signo do confronto com forças políticas reacionárias na capital da República. Ainda destacamos a importância histórica e laboral – que também produz desdobramentos estilísticos notáveis – da aliança entre documentaristas não-indígenas do Distrito Federal com grupos de militantes e comunicadores indígenas, conexão explosiva que resultou num filme amalgamado e que, em seu encerramento, produziu uma das cenas mais desafiadores do documentarismo contemporâneo.
3º lugar – 4 bilhões de infinitos, de Marco Antonio Pereira
O júri destaca a qualidade insuspeitada da direção de Marco Antonio Pereira, sobretudo no trabalho rigoroso com atores e atrizes crianças. Premiamos a obra pela sua mise en scène delicada e bem composta num contexto de precariedade material, sua dramaturgia neoclássica que nos emociona e alimenta a imaginação de novas gerações de brasileiras e brasileiros que se colocam na difícil missão de fazer o amor e a esperança sobreviver pelos dramas miúdos e poderosos das pequenas cidades, vilarejos e bordas das sempre superestimadas metrópoles da nação. Um filme para mergulhar nas histórias, no ambiente e nos personagens. Um curta-metragem para emocionar, fazer chorar e sonhar com futuros possíveis.
Prêmio Semana Paulista – Cantareira, de Rodrigo Ribeyro
O júri premia um filme que apresenta fragilidades de mise en scène, mas também se revela como um poderoso trabalho escolar que elabora uma narrativa em torno de uma região esquecida de São Paulo através de um registro realista rasgado por um universo lúdico. Pelas brechas do desejo de fazer bem feito, o júri notabiliza as ranhuras do filme, que demonstram a vontade de criação delirante dentro de uma estética padronizada de drama ficcional. Pelas tensões, atritos e potências de um filme imperfeito, mas forte em sua sinceridade e desejo de contar histórias esquecidas de uma cidade contraditória, premiamos a obra de um estudante promissor capaz de fazer entre o padrão do realismo bem feito e a alucinação do cinema de um país (ainda) subdesenvolvido.
Menções Honrosas:
A Viagem Sem Fim, de Priscyla Bettim e Renato Coelho
Destacamos a criatividade fervilhante da dupla de cineastas experimentais que, sob o signo da reinvenção e do remix, erigiram um contra-monumento soturno e crítico às viagens coloniais de outrora. Uma obra que reconstrói, sob o signo do horror e da escuridão, a aventura destrutiva da invasão europeia no novo mundo.
Adelaide, aqui não há segunda vez para o erro, de Anna Zêpa
Nota-se a importância da investigação histórica realizada que resgata memórias de uma importante – e esquecida – escritora brasileira, responsável por uma volumosa obra de apelo popular e erótico. Diante da obra de uma incendiária do povo, o filme escolhe o delírio como método para encontrar verdades concretas: o legado de uma escritora soterrada pelo cânone masculino e moralista da alta cultura letrada brasileira.
Pedro, de Leo Silva
O realiza um exercício dramatúrgico valoroso, ainda que tateante. O júri destaca a obra como uma peça que, mesmo com suas lacunas e fragilidades, se mostra como um filme de um cineasta promissor.
Sobre o júri:
Natara Ney é roteirista dos documentários Mistério do Samba, A Última Abolição e Divinas Divas. Natara já dirigiu os filmes “Cafi”, “Espero que Esta te Encontre e que estejas bem” e “Elza Infinita”.
João Campos é professor, pesquisador e crítico de cinema, além de curador e programador de vários cineclubes, atuou em vários festivais de cinema pelo país.
Tatiana é professora, pesquisadora de Cinema e Produção Multimídia, com uma vasta pesquisa em Artes Visuais e Multimídia.