A conquista de Fernanda Torres como Melhor Atriz de Drama no Globo de Ouro, que ocorreu no domingo (05) deste mês, fez com que o ano começasse em clima de celebração para os brasileiros. Além de ter representado a novela brasileira com personagens icônicos como Fátima em “Tapas e Beijos” (TV Globo, 2011-2015), a atriz carrega uma forte herança significativa para esse momento: Fernanda Montenegro, sua mãe, esteve entre as indicadas a Melhor Atriz no Globo de Ouro há 25 anos, com o filme “Central do Brasil”.
Além dos prêmios do cinema, o Brasil possui seu próprio prêmio para a área da literatura: o Prêmio Jabuti, que contempla diversas obras desde 1959. Com o intuito de reconhecer o impacto cultural de cada autor, o prêmio avalia os livros em 18 categorias, incluindo História em Quadrinhos. Muitos dos livros premiados na última década – incluindo o “Ainda
Estou Aqui”, que deu origem ao filme premiado – estão disponíveis nas nossas bibliotecas. Ficou a fim de conhecer mais sobre o grande prêmio da literatura brasileira? para que você possa conhecer mais sobre as narrativas, selecionamos um de cada ano da última década do Prêmio Jabuti:
2015: “Quarenta Dias”, de Maria Valéria Rezende
A narradora do livro de Maria Valéria Rezende é Alice, professora aposentada que se mudou recentemente para João Pessoa. Diante de uma cidade estranha, Alice busca por Cícero Araújo, filho de uma conhecida da Paraíba, que desapareceu em algum lugar dali.
Em um fluxo de pensamento quase insano, Maria Valéria consegue captar a atenção do leitor desconfortavelmente interessante. Sem medos de ultrapassar limites, a autora cria seus acordos com o leitor de forma que a trama seja contada nas minúcias da emoção à flor da pele.
2016: “Ainda Estou Aqui”, de Marcelo Rubens Paiva
Se você for mais do time que prefere ler o livro antes de ver o filme, você vai se emocionar com a linguagem envolvente e chocante de Marcelo Rubens Paiva. A narrativa é de Eunice Paiva, que viu seu marido Rubens Paiva ser cassado e exilado em 1964 no fervor da ditadura militar e luta por justiça para a sua família.
É irrefutável que a arte “nos ajuda a pensar em como sobreviver em momentos duros como este”, como cita Fernanda Torres em seu discurso ao prêmio. O livro traz passagens e reflexões que reforçam a importância de entender a história nacional para que erros e sofrimentos do passado não sejam repetidos.
2017: “Um Copo de Cólera”, de Raduan Nassar
Um livro escrito em primeira pessoa, que retrata relacionamentos afetivos e a oposição entre razão e emoção. Uma aparente harmonia entre o narrador e sua parceira se rompe sorrateiramente por um motivo “banal”. Diante de discussões e bate-bocas, Raduan Nassar consegue trazer uma prosa dilacerante, com a textura no ponto certo para envolver o leitor em um contexto tão recorrente.
2018: “Fim”, de Fernanda Torres
Além de atriz, Fernanda Torres tem obras escritas, como “Fim” (2013), “A glória e seu cortejo de horrores” (2017) e “Sete Anos” (2014). O romance premiado em 2018 conta a história de cinco amigos cariocas, que rememoram as passagens marcantes de suas vidas: festas, casamentos, separações, manias, inibições e arrependimentos.
Um dos amigos é Álvaro, o divorciado que não suporta a sua ex-companheira e está sempre se consultando com algum médico. Sílvio é viciado em drogas e sexo, vive como se o tempo tivesse parado – mas seu corpo aponta os efeitos da idade. Já Ribeiro é um bombado fitness que sobrevive à base de Viagra. Neto é o bem-casado da turma, com todas as qualidades de um cara careta. O quinto integrante desse grupo é Ciro, charmoso e encantador como um Don Juan, mas que é acometido por um câncer que o leva a óbito.
Com humor, lirismo e densidade, Fernanda consegue demonstrar mais um dos seus multitalentos, de comover leitores com a singular e complexa vida do cotidiano.
2019: “A Resistência”, de Julián Fuks
O romance de Julian Fuks já começa com uma frase intrigante: “Meu irmão é adotado, mas não posso e não quero dizer que meu irmão é adotado”. O narrador personagem fica imerso em uma memória pessoal que revela faces sociais e políticas.
Diante do golpe político de 1976 na Argentina, o irmão é filho de intelectuais que iriam buscar exílio no Brasil. Com uma nova família, o irmão mais novo se vê no papel de examinar seu passado e de reescrever o enredo da sua primeira família. O retrato denso e emocionante de Fuks combina emoção e inteligência e entrega o melhor aos leitores.
2020: “Torto arado”, de Itamar Vieira Junior
O livro de Itamar Vieira Junior viralizou nas redes sociais desde a sua premiação e tem atraído muitos olhares. Geógrafo e doutor em estudos étnicos, Vieira Junior apresenta um texto ao mesmo tempo realista e mágico com um claro impacto da insubordinação social.
Obra literária obrigatória para os vestibulares UEL 2025 e UFSC 2025, “Torto arado” conta a histórias das irmãs Bibiana e Belonísia no sertão baiano. Uma velha e misteriosa faca na mala guardada sob a cama da avó inicia a trama. A partir de um acidente, as irmãs ficam conectadas pela vida toda e vivem dicotomias de combate e redenção.
2021: “O Avesso da Pele”, de Jeferson Tenório
Outro livro que tem ganhado a atenção dos usuários de plataformas, “O Avesso da Pele” já compõe a lista de leitura obrigatória dos vestibulares do ITA e UFRGS, o romance centraliza racismo, superação e liberdade.
A história de Pedro é contada a partir da morte do pai. Motivado pela perda familiar, Pedro sai em busca de resgatar o passado da família e refazer os caminhos paternos. Com uma habilidade extraordinária, Jeferson Tenório consegue explorar as complexidades e pequenas tragédias das relações familiares, além de muitos outros aspectos do cenário brasileiro.
2022: “O som do rugido da onça”, de Micheliny Verunschk
O romance de Micheliny Verunschk se passa em 1817, quando os personagens Spix e Martius desembarcaram no Brasil com a missão de registrar suas impressões sobre o país. O protagonismo das crianças indígenas trazidas na volta dos exploradores a Munique ― batizadas aqui de Iñe-e e Juri ― é impressionante nas palavras da autora pernambucana.
Como leitura obrigatória do vestibular da UFMS, o livro retrata as relações coloniais e eurocêntricas de forma envolvente e instigante. Alguns questionamentos são revisitados e convidam o leitor a rever o mundo aos olhos do que o passado já nos disse.
2023: “Mukanda Tiodora”, de Marcelo D’Salete
Na categoria de História em Quadrinhos, a obra de Marcelo D’Salete recebeu o Prêmio Jabuti a partir de sua narrativa, que envolve a São Paulo de 1860. As imagens da Igreja do Rosário e dos Campos do Bexiga, em torno do córrego Saracura, são espaços que representam a narrativa da comunidade negra paulista.
Entre as pessoas que ocupavam a região dos Campos do Bexiga, estava Tiodora, uma mulher escravizada que procurava, através da palavra escrita, alcançar sua alforria. Baseada em fatos reais, a obra conta com uma edição rica em materiais de apoio, que inclui textos das historiadoras Maria Cristina Cortez Wissenbach e Silvana Jeha, além de uma cronologia da luta abolicionista em São Paulo e, pela primeira vez, a reprodução integral das cartas de Tiodora.
2024: “Salvar o Fogo”, de Itamar Vieira Junior
Vencedor do prêmio do último ano, Itamar Vieira Junior recebe sua segunda consagração com “Salvar o Fogo”, lançado em 2023 pela Editora Todavia. O centro da trama é ocupado por Luzia do Paraguaçu, uma mulher que busca por justiça para sua vida. Ao longo da trama, Moisés encontra afeto em Luzia, estigmatizada pela comunidade por haver rumores sobre seus poderes sobrenaturais.
O romance de Vieira Junior nos mostra que muitos elos familiares também se estendem às relações com o próprio país. Com maestria, o autor baiano combina a trajetória íntima de seus personagens com traços da vida brasileira, de um colonialismo que se mantém aberto até os dias de hoje.
A partir dessa lista, reconhecemos o forte impacto dos autores na construção cultural do Brasil – não só da sociedade atual, mas também do que se já passou, como forma de reconstrução e reescrita da nossa história. Todos os livros citados estão disponíveis nas bibliotecas do CCSP.