Do milenar ao contemporâneo: xilogravura e lambe-lambe

Este artigo tem como objetivo apresentar um panorama geral das técnicas de artes visuais xilogravura e lambe-lambe. Além disso, traça paralelos entre os dois estilos artísticos e suas reverberações contemporâneas, especialmente nas cidades urbanas. 

Tanto a xilogravura, quanto o lambe-lambe, estão presentes em nosso dia a dia, sejam espalhados pela cidade ou estampados em roupas, bolsas e outros objetos. Inicialmente, é importante apresentar a definição e principais características que estão presentes em cada técnica. Além disso, ambas as linguagens possuem forte relação com a cidade urbana, alterando e interferindo na paisagem.  

Xilogravura é uma técnica de arte visual milenar, datada aproximadamente do século VI. Consiste na impressão por meio do entalhamento em uma placa de madeira. Depois de esculpida, a placa torna-se uma espécie de carimbo com o qual os artistas podem imprimir suas obras aplicando tinta à matriz e transferindo para o papel ou outras superfícies, como tecidos e paredes. Quando finalizado, o desenho impresso ganha diferentes texturas, efeito causado justamente pelo entalhe da madeira, que cria diferentes profundidades. 

Como dito anteriormente, a xilogravura tem seus primeiros registros encontrados especialmente na China e no Japão. Sua primeira finalidade foi ligada à grafia, através do vocábulo inbutsu, associado ao budismo, assim como através das cartas de baralho na Índia. Além disso, outros povos já faziam uso da técnica para estampar tecidos, como os egípcios e os persas. Importante citar que a xilogravura tem sua difusão acentuada principalmente a partir da invenção do papel, datada aproximadamente do ano de 105 d.C., na China. 

Cada um desses povos acrescentaram à técnica xilográfica particularidades e inovações, tanto do ponto de vista da maneira de se executar as impressões, usos de materiais, mas também da perspectiva artística. Mais tarde, a xilogravura foi introduzida na Europa, tendo forte repercussão na Alemanha, principalmente. Dessa forma, a vinda dos portugueses para o Brasil trouxe consigo esta técnica milenar, que se perpetuou pelo país, especialmente entre os cordelistas, que viram uma possibilidade de imprimir suas obras de maneira acessível. Atualmente, no Brasil, é quase impossível dissociar a xilogravura da literatura de cordel nordestina. 

O livro da imagem ao lado chama-se “Antologia da Literatura de Cordel”, de Sebastião Nunes Batista, disponível na Biblioteca do CCSP. 

Já o lambe-lambe é um material gráfico geralmente fixado em espaços públicos e urbanos, como postes e muros. Seu conteúdo é variado, podendo apresentar diferentes temáticas, representadas através de texto ou imagens. Os lambes possuem sempre cunho artístico e expressam ideias criativamente. 

Os cartazes, no geral, tiveram sua trajetória muito atrelada à comunicação de massas, à industrialização, ao desenvolvimento da tecnologia e aos acontecimentos sociais e políticos de cada época e território. Com o desenvolvimento econômico, especialmente na Europa, esses materiais começaram a servir como uma poderosa forma de propaganda para venda de produtos. Assim, o que diferencia os cartazes “tradicionais” dos lambes é justamente o caráter contra hegemônico que estes últimos carregam. O lambe-lambe atua na contramão do que é normativo dentro do meio artístico, já que está fora do circuito das grandes instituições e pretende apresentar intervenções artísticas que sejam provocativas e que se comuniquem com o público e com o espaço, extrapolando a “bolha” criação-artista. 

Ademais, desde o século X, cartazes eram produzidos em xilogravura e já tinham como objetivo estabelecer comunicação. No Brasil, as técnicas se misturam e fazem parte do repertório artístico nacional. Ou seja, é bastante comum que artistas confeccionem lambes com artes em xilogravura. A junção dos estilos e sua disseminação faz com que diversos artistas, com diferentes estilos e origens, ocupem as cidades urbanas e interfiram na paisagem, criando verdadeiras galerias a céu aberto. As artes fixadas na cidade são não só uma forma de transmitir narrativas e ideias, mas também uma ferramenta de comunicação e de interferência no imaginário coletivo de quem transita nesses espaços.

O meio material das cidades está em constante transformação, assim como seus aspectos subjetivos. Dessa forma, por meio da arte é possível imprimir novos aspectos, cores, texturas, histórias e imagens, que estabelecem diálogo com o entorno e com o território onde estão localizadas. Por fim, os lambes colados em postes, muros e outros locais da cidade, em xilogravura ou outras técnicas e estilos, são efêmeros. Isso porque sua duração e manutenção é incerta, uma arte pode permanecer durante muito tempo, ou apenas dias, já que estão sujeitas à interferência humana e até mesmo climática. Este aspecto também contribui para entendermos que os processos artísticos sempre possuem relação com o contexto da sociedade na qual estão inseridos, refletindo suas inúmeras mutações e seu caráter profundamente transitório. 

Se você gostou deste artigo, conheça também a Folhetaria Ateliê Público do CCSP, um espaço equipado que recebe artistas e curiosos que desejam praticar técnicas de impressão gráfica, como serigrafia, xilogravura, monotipia, entre outras. Inclusive, até 06/12 acontece no CCSP, gratuitamente, a oficina Lambe Gravura, que convida os participantes a experimentarem as técnicas de xilogravura e lambe-lambe. 

Além disso, em dezembro deste ano acontecerá a Feira Folhetaria de Arte Impressa, um evento que reúne diversos artistas para exporem os seus trabalhos ao público! 

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  • Para saber mais: 

Hashimoto, M. N. (1992). Desenvolvimento histórico da xilogravura no Japão em confronto com o desenvolvimento da gravura na Europa. Estudos Japoneses, (12), 75-89. https://doi.org/10.11606/ej.v0i12.142617

SILVA, Hertha Tatiely. Cartazes lambe-lambe: apropriação e significação do/no espaço urbano, In Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas, 26o, 2017, Campinas. Anais do 26o Encontro da Anpap. Campinas: Pontifícia Universidade Católica de Campinas, 2017. p.4175-4184.

 

Texto: Tessi Ferreira

Revisão: Isabela Pretti 

Ilustração: Tamiris Viana 

Fotos: Artur Cunha

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