O cinema de resistência possui uma peculiar abordagem em que os diretores usam uma linguagem metafórica para abordar temas proibidos dentro de uma sociedade conservadora. Portanto, trata-se de uma produção que funciona como uma ferramenta de luta dos artistas e do povo em um determinado espaço/tempo.
A cinematografia iraniana, por exemplo, debate questões da condição humana por meio de histórias do cotidiano e funciona como uma forma de intervenção social. O cinema do país nasce e convive em meio a um turbilhão de censura. Logo, trata-se de obras que enfrentam barreiras de produção e circulação.
Com um crescente reconhecimento da crítica cinematográfica internacional, a produção iraniana tem sido premiada em festivais internacionais, assim como em eventos dedicados a essa cinematografia. Desse modo, nota-se um interesse mundial em filmes que, a partir de um olhar sensível e contundente, tratam de temas e situações de exceção.
Um dos diretores de maior destaque no chamado novo cinema iraniano – produzido no contexto Pós-Revolução Islâmica (1979) – é Jafar Panahi. Nascido em 11 de julho de 1960, possui uma forma autônoma e singular de construir narrativas e representações críticas da sociedade iraniana. Panahi começou cedo a trilhar seu caminho no mundo cinematográfico. Em sua adolescência, estudou cinema na Development of Children and Young Adults (IIDCYA), em Teerã, onde conheceu o diretor, poeta e roteirista Abbas Kiarostami (Gosto de cereja, 1997), que foi seu professor e maior fonte de aprendizado. Após servir nas forças armadas durante a guerra Irã-Iraque, no início dos anos 1990, o diretor deu início à sua produção audiovisual com curtas-metragens para a televisão local.
Ele foi diretor assistente no último filme da trilogia de Kiarostami, Através das oliveiras (1994). “É um cinema que tem uma estética diferente, exatamente por ter muita censura e limitações. Quando você pega o Jafar Panahi, por exemplo, a quem a gente dedicou uma mostra recentemente, é um cara que faz cinema com o que tem na mão. Então os últimos filmes dele são até repetitivos, pois são feitos ou dentro da casa dele ou dentro de um táxi, sabe?”, afirma Célio Franceschet, curador de cinema do Centro Cultural São Paulo.
Em julho de 2005, Panahi foi preso, no funeral de Neda Agha-Soltan, manifestante que havia sido morto pela polícia do governo. Ele foi liberado depois. Enquanto fazia um filme durante os protestos do Movimento Verde, foi preso novamente, em março de 2010. No mesmo ano, Panahi foi condenado a seis anos de prisão e proibido de filmar, viajar para o exterior e dar entrevistas por duas décadas.
A denúncia do autoritarismo – tão evidente no contexto iraniano – também se estende à produção documental e ficcional no Brasil, em que injustiças e contradições da sociedade contemporânea são motes recorrentes. Desde À margem do concreto (2006), de Evaldo Mocarzel, até obras como a trilogia da justiça, de Maria Augusta Ramos – Justiça (2004), Juízo (2007), Morro dos prazeres (2013) –, e sua nova produção documental, O Processo (2018), que acompanha a crise política que afeta o Brasil desde 2013 e o processo de impeachment que determinou a destituição da presidenta Dilma Rousseff, são filmes que revelam às câmeras um lado obscuro da realidade brasileira e se alinham, diretamente, com uma urgência que permanece negligenciada pela mídia hegemônica.
Era o hotel Cambridge (2016), de Eliane Caffé, dialoga e se afasta dessa linhagem ao misturar ficção e elementos documentais para narrar a trajetória de refugiados recém-chegados ao Brasil que, junto de trabalhadores sem-teto, ocupam um antigo edifício abandonado no centro de São Paulo. Em meio à tensão diária da ameaça de reintegração de posse, visões de mundo se misturam às relações cotidianas no prédio. “Trazendo a questão do cinema de resistência para o Brasil, acho que O Processo, de Maria Augusta Ramos, é um filme que se viu privilegiado por essa necessidade de colocar em pauta um problema brasileiro que estava sendo ignorado pela mídia. Mesmo que de forma pequena, ele conseguiu certa repercussão. Não é à toa que foi para os grandes festivais, numa espécie de ato político dos próprios agentes, pois o Brasil era, e ainda é, pauta no exterior por causa dessa série de acontecimentos políticos recentes. Acredito que tenha sido um filme que se beneficiou disso”, conclui Célio.
Texto e entrevistas: Fernando Netto e Danilo Satou
Ilustração: Beatriz Vecchia
Revisão: Paulo Vinício de Brito
*Publicado em 14 de junho de 2018