O slam é uma competição de poesia criada na década de 1980 pelo poeta Marc Smith em Chicago, nos Estados Unidos. Três características definem o slam e o diferenciam de outros tipos de poesia: a apresentação de poesias autorais, de até 3 minutos de duração e sem o uso de qualquer tipo de acompanhamento instrumental ou corporal. O criador do slam tinha como proposta tornar a poesia mais atrativa e acessível, já que, até então, era uma forma de arte constantemente vinculada a espaços acadêmicos e por vezes, elitizados. 

De acordo com Roberta Estrela D’Alva, slammer e pesquisadora responsável por trazer o slam ao Brasil, o tempo curto de execução das ideias dentro do slam faz com que o poeta se concentre em despertar emoções e impacto no público, o que é também levado em consideração pelos jurados, passando “por um processo determinado e específico de concentração e expansão”, como explica em seu artigo Um microfone na mão e uma ideia na cabeça – o poetry slam entra em cena. Nas batalhas, são escolhidos cinco jurados da própria plateia, que levantam pequenas placas com pontuações logo após o final das declamações. 

O slam, apesar de criado nos EUA, se adaptou a diversas culturas enquanto se espalhava pelo mundo. No Brasil, os slams começaram com o ZAP!, que nasceu em 2008 após Roberta, sua idealizadora, viajar aos Estados Unidos e ter contato com campeonatos de slam. “ZAP”, que é a sigla para “Zona Autônoma da Palavra”, começou na sede do grupo de teatro hip-hop Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, no bairro paulistano da Pompéia. 

Poucos anos após o surgimento do ZAP!, o Slam da Guilhermina começou a ser organizado por Emerson Alcade e se tornou o primeiro slam de rua do Brasil, marcando também o deslocamento do centro para a periferia de São Paulo. Acontecendo próximo à estação Guilhermina-Esperança, da linha 3 Vermelha do metrô, o Slam da Guilhermina atraiu a participação do público e impôs novos desafios a esta modalidade de poesia, como a necessidade de maior projeção de voz dos poetas, causadas pela ausência de microfones e a disputa com os barulhos da cidade. 

Com o pioneirismo do Slam da Guilhermina, hoje em dia o slam brasileiro acontece majoritariamente nas ruas e em regiões periféricas, o que traz um caráter político a essa forma de arte. Além disso, a origem do slam brasileiro tem forte influência e participação de MCs e artistas do rap, além de sua existência enquanto manifestação artística coletiva e aberta ao público, o que garante maior diversidade. Em entrevista para o Itaú Cultural, Roberta diz que o slam é como uma ágora onde as pessoas contrapõem ideias e as debatem por meio da arte. 

Em seus 16 anos de existência no Brasil, o slam passou por constantes expansões. Desde seu surgimento até o ano de 2013, a cidade de São Paulo era a única cidade com grupos ativos. Em 2014, surge em Belo Horizonte o Slam Clube da Luta, e no Rio de Janeiro os grupos Slam Tagarela e HaiCai Slam. Novos grupos emergem também na cidade de São Paulo e no interior.

Em 2017, acontece o que é chamado de “boom” do slam no Brasil, que pode ser percebido pelo campeonato SLAM BR (Campeonato Brasileiro de Poesia Falada), que naquele ano recebeu poetas de 14 estados diferentes, e pelo aumento do número de comunidades de slam em São Paulo, que passou de 17 para 31. 

Assim como as batalhas de slam, os saraus também se consagraram no Brasil enquanto manifestação artística que se ocupa de espaços públicos e os tem como uma de suas características principais. 

O sarau, por definição, é um encontro de pessoas que tem foco na manifestação de diferentes tipos de arte, como música, pintura e literatura. No Brasil, os saraus começaram a acontecer na época colonial, mais precisamente quando a coroa portuguesa veio ao Brasil em 1808. A corte buscava reproduzir em seus palácios os saraus que aconteciam em grandes salões europeus, voltado às elites.

A ideia de reunião artística se repetiu em outros momentos da história do Brasil, como na Semana de Arte Moderna de 1922, que ajudou a popularizar os saraus. Hoje, eles acontecem menos em espaços tidos como elitizados e estão também nas periferias de grandes cidades. Sérgio Vaz e Pezão, da Cooperifa, e Binho, do Sarau do Binho, são alguns dos nomes associados ao início dos saraus.

Esses eventos foram importantes propulsores da chamada literatura marginal e periférica a partir dos anos 2000, incentivando sua produção e disseminação. Muitos poetas, inclusive, não tinham livros publicados, mas encontravam esse desejo após participar dos saraus. É o caso do poeta Levi de Souza, também chamado de Fuzzil, que tem publicados os livros Um Presente Para o Gueto (Edições Toró, 2008), Caturra (Elo da Corrente Edições, 2011) e Céu de Agosto (A.P.L – Academia Periférica de Letras, 2013).

O sarau da Cooperifa foi formado em 2002 pelo poeta e fundador Sérgio Vaz e pelo poeta e co-fundador Marco Pezão. Inicialmente, os encontros aconteciam no galpão de uma fábrica abandonada em Taboão da Serra, e posteriormente migraram para um bar. Em 2007, a Cooperifa realizou a Semana Moderna de Arte da Periferia nas ruas, em escolas públicas e demais espaços de acesso livre. Na ocasião, houve distribuição gratuita de livros e a produção do Manifesto da Antropofagia Periférica por Sérgio Vaz. O texto defende o “artista cidadão” e o rompimento com a elitização da arte.

 

“É preciso sugar da arte

um novo tipo de artista: o artista cidadão. 

Aquele que na sua arte

não revoluciona o mundo,

mas também não compactua com

a mediocridade

que imbeciliza um povo

desprovido de oportunidades.

Um artista a serviço da comunidade, do país.

Que armado de verdade, por si só, 

exercita a revolução.”

Trecho do Manifesto da Antropofagia Periférica, de Sérgio Vaz

 

A literatura compartilhada e discutida nos saraus contribui para o reconhecimento da arte feita na periferia, bem como das identidades que habitam esses espaços. A partir da transformação individual, poetas e apreciadores de literatura podem refletir sobre suas realidades e as modificar, como propõe o “artista-cidadão” do Manifesto Antropofágico da Periferia.  

Na “Noite da Vela”, como era chamado o Sarau do Binho em meados nos anos 1990, pessoas se reuniam para escutar músicas em discos de vinil. Em entrevistas, Binho conta que entre a troca de discos algumas pessoas pediam para ler poesias. Assim, aos poucos, a literatura foi sendo incorporada aos encontros. Outro acontecimento importante para a transformação da “Noite da Vela” foi o espalhamento de cartazes com poesias nos postes da cidade. 

Muito comuns em bares, hoje os saraus ocupam centros culturais, escolas e praças, estimulando o interesse pela literatura de diferentes perfis de pessoas. 

A partir do mês de maio, a Ação Cultural do CCSP passou a promover o “Encontro de Slams e Saraus no CCSP”, totalmente gratuito e aberto ao público, com o objetivo de disseminar a poesia marginal e acolher os grupos de poesia atuantes na cena cultural da cidade. A programação se iniciou com o Slam da Guilhermina e o Sarau do Binho, ainda em maio. 

“A minha poesia, 

apesar de pouca e rala, 

cabe na tua boca

dentro da tua fala

Apesar de leve e rouca,

chora em silêncio

mas nunca se cala.

E apesar da língua sem roupa, 

não engole papel,

cospe bala!”

Sérgio Vaz na coletânea “Colecionador de pedras”, página 56

 

+ Material bibliográfico utilizado

“Colecionador de pedras”, livro de Sérgio Vaz

“COOPERIFA e a literatura periférica: poetas da periferia e a tradição literária brasileira”, dissertação de mestrado de Márcio Vidal Marinho

“Microfone em chamas: slam, voz e representação”, dissertação de mestrado de Luiza Sousa Romão

“Roberta Estrela d’Alva – Flip (2016) – Parte 1/3″, vídeo no canal do Youtube do Itaú Cultural

“Um estudo sobre os saraus da periferia de São Paulo: espaços para ‘aprender na amizade e na liberdade’”, dissertação de mestrado de Aline Maria Macedo Chamone

“Um microfone na mão e uma ideia na cabeça – o poetry slam entra em cena”, artigo de Roberta Estrela D’Alva

“Você sabe o que é sarau?”, artigo da Revista Arara

Entrevista de Binho para a Cartografia dos Direitos Humanos, disponível aqui

Entrevista de Binho para o Museu da Pessoa, disponível aqui

Texto: Bárbara Bigas
Ilustração: brenda akekid
Revisão: Isabela Pretti

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