Angela Ribeiro a Bertolt Brecht | 13 Cartas Imaginadas

ANGELA RIBEIRO (Belém, 1975) 
É atriz, dramaturga e também publicitária, conquistou diversos prêmios como redatora. É uma das fundadoras da Companhia Bruta de Arte. Atua em diversos projetos adultos e infantis. Escreveu e dirigiu as peças “Boletim”, apresentada no Curto Circuito do MOTIN e “Poderia Ter Sido”, apresentado na
Satyrianas em 2016. Por “Refluxo” foi indicada ao Prêmio Shell de teatro/2018.


BERTOLT BRECHT
(Augsburg, Alemanha, 10 de fevereiro de 1898 Berlim Leste, 14 de agosto de 1956)
Bertolt Brecht nasceu praticamente junto com o século 20 e teve seu destino e sua voz situados em pleno coração do que este possuiu de mais extremo -seu mais extremo horror, sua mais extrema esperança. Recorde-se apenas, por um momento, que cada signo de sua obra madura se fez como um gesto tensionado, de um lado, pelo nazismo e, de outro, pelo desejo da sociedade revolucionada ou da humanidade liberada. Entre esses dois extremos, e explicando-os (tal como faz a tradição marxista, da qual ele é inseparável), Brecht via um combate central: a luta de classes – e essa foi a pauta principal que deu a seu próprio trabalho. Ele tratou de imprimir o “ritmo da luta de classes”, literalmente, à própria construção da frase, ao andamento do verso, à composição mesma do poema e do drama. O poeta materialista deu o pulso da luta de classes à sua própria linguagem” (José Pasta Jr. Folha de São Paulo, 8 de fevereiro de 1998).

Olá meu camarada,

Eu acho que se você estivesse aqui agora, teu coração já teria parado por um milhão de vezes. Ou não. Talvez você estivesse em alguma janela escrevendo, refletindo ou subvertendo a ordem em algum café. Mas eu preciso te dizer que os cafés estão fechados.

Eu tenho pensado tanto em ti quando eu preciso de coragem, pra perguntar como é que você sobreviveu a tantas guerras?

A gente está vivendo uma guerra aqui. Mas é uma guerra diferente, é uma guerra que parece que pra você vencer, precisa ter mais humanidade e dividir, só que pra algumas pessoas isso é tão violento e tão difícil.

Semana passada eu escrevi uma coisa e queria que você ouvisse.

O corpo preto no chão.
O corpo Pedro.
As moscas.
Em volta do corpo as moscas.
Em volta das moscas, os corpos.
Corpos brancos.
Mortos.
Enterrando pretos vivos.
Corpos brancos em volta do corpo preto.
Pretos estraçalhados pelos dentes brancos.
Podres.
De ouro. Cheirando a carniça.
Dentes de rei.
De presidente.

Eu adiei muito para te escrever esta carta. Como é difícil escolher o que te dizer. Fazer um recorte. Primeiro que tenho que fazer um exercício enorme pra não chorar. Eu sei que você não gosta. Que te tira do sério. Mas eu prometo que tudo o que vou te dizer aqui hoje vou tentar dizer da maneira mais distanciada possível. E também… se eu errar… eu não tenho a pretensão de acertar.

Bom, por aqui como você já deve saber, as coisas estão bem caóticas. Existe um homem, um homem não, um monstro no comando. Que bom se a gente não precisasse dele não é? Nada humanista. Estamos vivendo uma pandemia. Um vírus veio pra causar um terremoto na gente, como quem diz “é agora ou nunca”! É como a morte a borboleta sabe? A borboleta quando sai do casulo, eu sei que você vai pensar “ela e essas metáforas”, por favor, tenha paciência. É como se todos nós e todas nós agora estivéssemos dentro de um casulo prestes a explodir. A gente vai criar asas e faremos a revolução. Criaremos asas e faremos a revolução. Vê? Esse é o problema “criaremos asas e faremos a revolução”? Porque que a gente não faz essa revolução agora? E como fazer essa revolução agora? Não podemos ir para as ruas. Estamos isolados, mergulhados profundamente e cada vez mais dentro de nós. Tem dias que, confesso, a inquietude é tão grande e me sinto tão angustiada que olho por papel e nada sai. E nada entra. Ninguém consegue me ler de verdade. Nem eu mesma. Aliás, coisa que você faz muito bem. Quais são os seus planos pra hoje Brecht? Me fala. Com certeza você e Helene em algum lugar estão mirabolando alguma coisa. É urgente. Aliás, mande um abraço imenso pra essa mulher! Que mulher. Você sabe né, que esse homem histórico que você se tornou se deve a também a caminhada ombro a ombro com ela. Tortuosa muitas vezes, mas eu precisaria de uma segunda carta pra falar sobre isso. Enfim… cada encontro tem os seus acordos e quem sou eu para julgá-los. Mas é uma mulher imensa.

A gente precisa agora pensar num antídoto pra tudo isso? Um espasmo de coragem, alguma coisa inabalável. Vocês são bons nisso! Algum tipo de poesia que nos dê coluna. Ando matutando muitas coisas. E tenho pensado muito e cada vez mais que o amor é uma arma violenta contra todo esse egoísmo que tem nos assolado. Amor é político. E é capaz de nos mover até os lugares mais impossíveis.

O que é que vocês acham?

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