Dia Internacional do Jazz: ritmo, improvisação e emoção

Introdução 

Você sabe o que é o jazz? A definição formal deste gênero musical o define como uma música moderna que se origina do som afro-americano. Este artigo objetiva ir além neste conceito, estabelecendo um olhar aprofundado para a trajetória do gênero e sua importância.

Ritmo, improvisação e emoção 

A melodia que para alguns ouvidos preenche o espaço como música ambiente, tem o sentido de expressão anímica para os mais atentos. “[O jazz] Não se trata apenas de um certo tipo de música, mas de uma realização extraordinária, um aspecto marcante da sociedade em que vivemos”, assegura o autor Luís Fernando Veríssimo. E, de fato, para que o jazz se consagrasse como um dos maiores acontecimentos culturais do século XX, um longo caminho precisou ser percorrido.

Os relatos de quem vive do jazz aguçam a curiosidade e o desejo pelo gênero:

Sem levar em conta o seu lado mental e espiritual, não dá para pegar o jazz em sua totalidade.

– Jimmy Heath, saxofonista, compositor e arranjador. 

Se você não o viveu, não adianta, ele não sairá de seu instrumento 

– Charlie Parker, saxofonista e compositor. 

O jazz é a música negra.

– Archie Shepp, saxofonista dos estilos hard pop e free jazz.

O jazz é, sem dúvida, a única forma de arte existente hoje em dia que conserva a liberdade do indivíduo sem a perda do sentimento de ligação. 

– Dave Brubeck, pianista e compositor.

 

No final do século XIX, o som na época denominado jazz estava a ganhar forma, principalmente nas ruas de Nova Orleans, cidade ao sul dos Estados Unidos, no estado da Louisiana. Foi a aura desta cidade, batizada pelos seus moradores de NOLA, a responsável por torná-la um dos principais pontos turísticos dos EUA. 

Com uma população formada na época por franceses, africanos e hispânicos, Nova Orleans reunia e reúne até hoje tradições que colocam a cultura como um dos componentes formadores de sua atmosfera. Um dos principais símbolos da cidade se dá com a combinação entre harmonia e som: a música, e em especial, o jazz. 

Tamanha importância e caráter unificador construídos pelo gênero renderam-lhe o Dia Internacional do Jazz, celebrado em 30 de abril. A efeméride, estabelecida em 2012, surge com o intuito de manter pulsantes os valores e a história que carrega a melodia jazzística; história esta que começa muito antes da palavra “jazz” denominar o gênero.

Sobre seu nascimento, a publicação “A pictorial history of Jazz: people and places from New Orleans to modern jazz”, de Orrin Keepnews e Bill Grauer, afirma não existir uma data precisa para o surgimento do gênero musical, mas sim um lento processo de acumulação, ou seja, a junção gradual de muitas linhagens diferentes com o impacto de muitas personalidades. 

A literatura afirma que o jazz surge do encontro entre a cultura africana ocidental e a europeia. Eis os ingredientes que cada um colocou à mesa: dos africanos, o ritmo é contributo central; dos europeus, a harmonia, os instrumentos e a técnica. 

O jornalista musical Joachim-Ernst Berendt aprofunda este olhar: “o jazz é uma prática musical que nasceu nos Estados Unidos graças ao encontro do negro com a música europeia”.“Os ritmos, o fraseado, a sonoridade, assim como certas particularidades da harmonia do blues, incorporam à origem africana o senso musical dos negros americanos”, complementa.

Segundo Berendt, existem três elementos que separam o jazz da música europeia: swingue, que ele define como uma relação particular com o sentido de tempo; espontaneidade e a vitalidade da produção musical, associados à improvisação; sonoridade e fraseado que espelham a individualidade do músico. É a estes recursos que o jornalista atrela parte das mudanças pelas quais o jazz passou. 

Em “História Social do Jazz”, de Eric J. Hobsbawn, o escritor brasileiro Luís Fernando Veríssimo contribui para o prefácio do livro, no qual marca a origem deste tipo de música. Segundo Veríssimo, uma das raízes que cruzam o solo do jazz é o blues rural, cuja versão mais tradicional é o canto dos escravizados. 

Estes não obtinham permissão para entoar sua música no território norte-americano, mas ainda mantinham-se fiéis à sua tradição musical. Isto tornou possível a introdução de componentes essenciais da cultura ancestral africana na música afro-americana que se desenvolvia. 

Num avanço temporal, outro elemento importante para a vida do jazz, segundo Reimer Von Essen, foi a música que ouvia-se nas ruas dos bairros negros nas cidades do sul, sobretudo em Nova Orleans. Dentre as melodias que embalaram os municípios, as brass bands, de influência francesa, exerceram força decisiva para o jazz. 

As bandas de metais, como as brass bands são chamadas em português, tinham o improviso como característica principal; enquanto um dos instrumentos encarregava-se da melodia, o restante improvisava o ritmo. Von Essen relata substituições realizadas quando algum instrumento não fazia-se disponível: tábuas de lavar roupa e latas de conserva mimetizavam o som dos bumbos e das caixas-claras. Convencionou-se chamar esta modalidade de “jazz arcaico”. 

Após a eclosão dessa modalidade, muitas outras surgiram, uma vez que o vai e vem das décadas presenteou o jazz com os mais diversos sub-gêneros. O autor Caio Vono destrincha os estilos do gênero em “introdução ao jazz e seus estilos”. Ao dividi-los por décadas, a publicação de 1982 entrega um panorama que parte de 1890. Mas Vono ressalta: “o importante não é saber por quanto tempo um estilo foi cultivado, mas sim quando nasceu e quando atingiu o auge de sua vitalidade e força expressiva.”

Em 1890, o ragtime foi o precursor do período denominado “jazz clássico de Nova Orleans”; em 1900, surge o estilo New Orleans de Jazz; em 1910, o estilo dixieland remete ao período em que músicos brancos aproximaram-se do jazz que desenvolveu-se em 1900.

Em 1920, o estilo Chicago tem sua atividade musical concentrada em Southside, bairro negro da cidade; em 1930, o swing surge de músicos provindos de estilos anteriores, residentes do bairro Harlem; em 1940, o bebop varia do swing, com a transferência da batida do bumbo para os pratos superiores. 

Surge em 1950 o estilo cujo concepção rítmica funde swing e bebop: o cool jazz; na década de 1960, o free jazz ou jazz rock caracteriza-se pelo ritmo irregular e melodia atonal. 

Os instrumentos que caracterizam o gênero vêm das classes de percussão, como o bumbo, a caixa e os pratos; dos metais, alguns são o saxofone, o trombone e a tuba. Dentro dos diferentes estilos que o jazz abarca, cada instrumento obteve seu momento de maior protagonismo. A clarineta alcança seu ápice na segunda fase do jazz, enquanto os metais estrelam no swing e o saxofone ascende em 1920. Em especial, há o piano, considerado o instrumento que acompanhou o jazz em seus primeiros anos.

Esta variedade de estilos impulsionou o ritmo não-linear e improvisador para os quatro cantos do mundo. Por volta de 1920, o jazz aterrissa no Brasil, e passa a desenvolver-se no país que, mais tarde, nadaria em suas águas para a criação da Bossa Nova. 

São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro foram os estados que ajudaram a difundi-lo em terras tropicais. Curitiba, Porto Alegre e Brasília foram algumas das cidades que abrigaram clubes e salões preparados para receber as primeiras jazz-bands do país; estes, por sua vez, produziam o estilo de jazz mais comercial. 

Embora soasse em território brasileiro há décadas, o Brasil ganhou apenas em 1953 a sua primeira obra sobre jazz: a publicação “Pequena História do Jazz”, de Sérgio Porto, que possui um exemplar salvaguardado nos acervos da Discoteca Oneyda Alvarenga do CCSP. 

Com o tempo, os músicos nacionais deram ao gênero o tom brasileiro e o nomearam em seguida. A Bossa Nova dá seu primeiro respiro no começo do ano de 1959, com o lançamento do LP “Chega de Saudade”, de João Gilberto. Assim, o som do Brasil que cresceu sob as asas do jazz ganha, também, os Estados Unidos. 

Mas muito mais que um canto suave, o jazz é a música que tem o sentimento como principal compositor de suas notas. Segundo o escritor R.W.S. Mendl, o jazz era sujeito à rejeição por perturbar e tocar o emocional de forma mais furtiva do que as outras formas de música que existiam então. 

Hobsbawn compreende o gênero enquanto música que “se presta a qualquer tipo de protesto e rebelião, mais do que qualquer outra forma de arte”. Embora hoje o jazz possa ser associado a classes sociais de maior poder econômico, esta música foi originalmente feita para ser ouvida num âmbito extremamente popular.

Em “História Social do Jazz”, o autor expõe a declaração de um órgão de divulgação dos músicos populares britânicos. De forma límpida, o escrito coloca em palavras a alma que dá vida ao jazz:

O jazz é um novo culto. Provavelmente uma grande arte que se inicia, tendo como vantagem sobre a música “tradicional” o fato de que seu apelo não atinge apenas os catedráticos, mas também a galeria. Ele não faz distinção de classe. 

Até hoje, mentes especializadas formulam definições para o jazz; algumas mais técnicas, outras mais emocionais, mas todas buscando compreender o encando e a profundidade deste gênero musical que conversa com o tempo, com o sentimento e com a improvisação. Simples música afro-americana, arte de liberdade, fato é que o jazz se reinventa a cada faixa de modo a colecionar adjetivos, públicos e ouvidos, ao mesmo tempo em que é grande demais para caber em qualquer definição. O jazz se configura dentro das diversas subjetividades de seus artistas e ouvintes, e fato é que experienciar sua música é o melhor jeito de conhecê-lo em sua totalidade.


+Sobre este artigo

Pesquisa e redação: Paloma Santiago

Edição e revisão: Isabela Pretti

Ilustração: Diego Claudino

 

+ Material bibliográfico utilizado:

Introdução ao Jazz e seus estilos, de Caio Vono 

História Social do Jazz, de Eric J. Hobsbawn
História do Jazz, de Werner Buckhardt

A pictorial history of jazz, de Orrin Keepnews e Bill Grauer 

 

+ Saiba mais:

Todos os livros citados estão salvaguardados pelo acervo da Discoteca Oneyda Alvarenga, no CCSP. Exemplares estão disponíveis para consulta. 

A partir de maio, o CCSP inaugura sua nova programação mensal “Terça Maior: Jazz no CCSP”, trazendo shows de artistas nacionais que ressignificam o gênero como um todo e ajudam a construir a história do jazz no Brasil. Fique ligado!

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