Quem fez, quem faz é uma seção do site do CCSP que procura colocar luz sobre trabalhos fundamentais para o funcionamento da instituição, mas que, por diversas razões, permanecem “invisíveis” ao público. Em janeiro de 2018, conversamos com Angela Perrotti, coordenadora da Gráfica do Centro Cultural – responsável pela impressão da maior parte dos materiais de divulgação distribuídos em nossos espaços, como a agenda mensal, os fôlderes e catálogos da programação. Funcionária da Supervisão de Informação do Centro Cultural desde 1986, Angela se aposenta em 2018, tendo trabalhado, ao longo de sua trajetória, em diversas áreas dentro da mesma divisão até chegar à coordenação da Gráfica, pela qual se encantou. Leia abaixo a entrevista na íntegra:
Em que ano você entrou no CCSP e qual a sua carreira dentro da Prefeitura?
Eu entrei no CCSP em 1986, com um cargo comissionado conhecido, na época, como Auxiliar de Produção. Depois, prestei um concurso na área administrativa, a denominação da carreira sofreu algumas mudanças e, atualmente, o nome do meu cargo é Assistente de Gestão de Políticas Públicas (AGPP). Mas minha formação acadêmica é em Psicologia.
O que você faz hoje no CCSP?
Hoje, eu coordeno a Gráfica e auxilio nos trabalhos administrativos da Supervisão de Informação, em parte pela minha experiência e conhecimento na área administrativa, pois eu já trabalhei como secretária e sempre estive voltada para as coisas administrativas, que, de certa forma, me atraem. E a coordenação da Gráfica foi um presente que me foi dado sem eu esperar. Eu digo que foi um presente porque, além de você estar coordenando as pessoas, coordenando o trabalho, você vê um produto final desse trabalho. É gratificante. Quando eu vim parar na Gráfica, a princípio, achei tudo muito estranho, tudo muito novo, mas acabei me encantando e estou com ela até hoje. Ao longo dos anos, houve muitas mudanças no nosso processo de trabalho. No começo, aceitávamos muita coisa, então, havia um volume de trabalho bem maior, mas não tínhamos dificuldade de material, os equipamentos eram mais novos. Agora não temos essas condições. De uns tempos para cá, em função das dificuldades, chegou-se a um entendimento de que é preciso haver uma seleção mais rígida do que vai ser feito, do que precisa ser impresso. Basicamente, o que eu faço é um gerenciamento da distribuição dos trabalhos e um acompanhamento das várias etapas que envolvem a impressão de um material.
Quais são essas etapas?
Primeiro, é feita a edição do conteúdo. Em seguida, o material vai para a equipe de design. Quando pronto, tira-se um filme (ou um fotolito) do material, que volta para aprovação das designers e, aprovado, vai para uma gravadora de chapa de alumínio. Essa chapa de alumínio é que entra na impressora – trabalhamos com duas impressoras hoje em dia –, e cada página corresponde a uma lâmina. Se, por exemplo, a tiragem for de mil exemplares, cada lâmina vai imprimir mil páginas. Depois disso, o material vai para o corte. Nesse processo, é feita a escolha do papel, que leva em conta o formato do produto final. Em seguida, vem o trabalho, feito manualmente, de intercalar as páginas da publicação – quer dizer, quando o material precisa ser grampeado; quando é só frente e verso, vai direto para a dobradeira eletrônica. O refilamento e o acabamento são as últimas etapas, além da distribuição interna das publicações. Fazemos alguns trabalhos que vão para fora, e sou eu também que gerencio essa distribuição externa – para onde, qual a tiragem…
Como se deu sua trajetória aqui no CCSP, desde a sua chegada até o convite para coordenar a Gráfica?
Antes de vir para cá – como eu disse, sou formada em Psicologia –, havia trabalhado com recrutamento e seleção, trabalhei na área de sistemas do Itaú, e depois vim para cá. O primeiro lugar em que eu trabalhei foi a Rádio do CCSP, que, na época (1986), se chamava Radioatividade. Como eu não tinha nada a ver com esse mundo, a coordenadora da rádio naquele momento, a Magaly Prado, me incumbiu de fazer pesquisas de novas bandas e de história da música para o programa que fazíamos para a Rádio USP, que era apresentado, inclusive, pelo William Bonner. Eu repassava essas pesquisas para que os programadores montassem os programas que estariam na Rádio USP. Resumindo, eu era uma produtora. Na época, a Radioatividade produzia shows de rock – inclusive, o Cadão [Volpato, atual diretor geral do CCSP] vinha muito para cá –, e eu ajudava nisso também. Depois disso, fui trabalhar na área de audiovisual e vídeo, também na Divisão de Difusão Cultural [atual Supervisão de Informação]. Fazíamos a programação de vídeo para as bibliotecas, para as casas de cultura. Montávamos uma programação, o Circuito de Vídeo, e distribuíamos as fitas com os filmes. Também dávamos suporte a alguns eventos, e, mesmo tendo saído da Radioatividade, continuava dando apoio aos shows de rock produzidos pela Rádio. Depois, com mudança de gestão, alguns setores acabaram, e o setor de audiovisual, a Rádio e o núcleo de fotografia, por exemplo, ficaram ligados à diretoria do CCSP. Nessa ocasião, queriam me mandar para a Biblioteca, e eu não queria, porque gostava do trabalho na divisão. Daí a Cris Schultz, o Mauricinho Faria, a Ana Maria Campanhã e eu resolvemos propor um novo serviço de monitoria, pois o anterior havia acabado. A proposta foi aceita, e reativamos esse trabalho. Fiquei trabalhando na monitoria durante uns três anos, mas, eu vou ser sincera, não gostava. Recebíamos escolas, tínhamos que usar uniforme, e eu era meio rebelde, não queria usar uniforme. Só estava lá porque não queria sair da divisão. Fui um pouco perseguida nessa época, e – acredito que como uma forma de castigo – me colocaram como secretária da divisão. Mas, a partir daí, é que fui perceber que gostava da parte administrativa, pelo tipo de trabalho comecei a ter contato com a divisão toda, o que me fez me sentir muito bem. Só que foi um período difícil, houve vários diretores difíceis. Apesar de gostar do trabalho, não estava dando, acabei saindo por causa disso e fui para a Assessoria de Imprensa. Fazia clipping, passava release para as redações via fax. Mesmo no período do setor de audiovisual e vídeo, eu distribuía material para as redações às vezes, dávamos suporte para shows que aconteciam fora do CCSP. Fiquei na imprensa um tempo, mas ali era algo mecânico, então, me juntei com a Zelinda Gandolfi, que coordenava a Gráfica e já estava sem paciência para o trabalho. Foi ela quem me fez o convite para iniciar na Gráfica. Ela foi me passando as funções aos pouquinhos, até finalmente me passar tudo. Isso aconteceu por volta de 1996. Aí fui ficando, ficando e estou aqui até hoje. De lá para cá, também fiz convocação na Central de Informações, fui diretora da divisão por seis meses, assistente de direção…
Você teve uma atuação muito diversa ao longo desses anos todos na instituição. Quais aprendizados essa vivência ampla do espaço lhe trouxe?
Todas essas experiências, todos esses trabalhos tão diferentes entre si foram fundamentais para minha formação como pessoa e profissional, porque eu acho que eu cresci. Passei por vários tipos de trabalho, e cada área me fez lidar com pessoas muito diferentes, então, eu tive a oportunidade de conviver com personalidades muito diversas, desde um artista até um operacional. Por isso, penso que eu acabei exercendo, sim, de algum modo, a profissão de psicóloga. Quando eu falo de presente, o meu presente foi o todo, com as dificuldades, com as pessoas, com os trabalhos, que foram importantes, mas o mais importante foi o contato humano.
Considerando a sua formação e as suas experiências anteriores no CCSP, a Gráfica é um lugar improvável para você. De que forma esse “deslocamento” pode ter lhe ajudado a se aproximar com menos reservas desse ambiente?
Na verdade, acho que o que me aproximou desse ambiente – e, no início, não foi fácil, pois eu era jovem e não era da área –, o que me trouxe segurança foi entender o trabalho. Se você entende o trabalho, tem o domínio do trabalho, tem a segurança do que vai fazer, você consegue entrar nesse mundo masculino da Gráfica. Porque existiu e existe uma barreira, mas, se você consegue, aos poucos, romper essa barreira que a equipe coloca e vai tendo conhecimento da área, aí não tem como, porque você mostra que não quer se impor. Uma coisa importante é que eu sempre coordenei, mas sem impor nada. Eu acho que a imposição não dura muito tempo. Todas as pessoas que se impõem muito, que vêm mandando, que vêm pisando, não conseguem nada. Agora, se você vem coordenando, conversando – ainda mais em uma área que tem que cumprir prazos apertados –, você consegue conquistar, romper barreiras, e, com isso, eles [funcionários da Gráfica] também vão se desarmando. Outra coisa que eu acho bacana são os jovens vindo com toda a tecnologia da área digital – é o caso da Yeda [Gonçalves, coordenadora de comunicação visual do CCSP], das estagiárias, de todo o pessoal do Projeto Gráfico – e trazendo toda a modernidade para cá, mas o final de tudo isso, parte do trabalho delas, do “moderno”, termina aqui, nessa coisa que é antiga. É a materialização do trabalho que veio digital. Vem do presente para o passado.
Como tem sido a experiência de se inserir em um ambiente predominantemente masculino e, aparentemente, em função da brutalidade das máquinas, tão distante do que se convencionou associar ao universo feminino?
Uma palavra que eu diria é respeito, sempre me respeitaram. Houve uma resistência no início, não vou negar. Fiquei sabendo, depois, que alguns não iam com a minha cara – muito em função de eu não ser da área, não entender de gráfica – e se perguntavam: “o que é que ela está fazendo aqui?”. Uma mulher, ainda por cima! Com a Zelinda, era diferente, porque ela já era da área gráfica, ela tinha formação em Comunicação Visual, era mais firme. Eu não era da área gráfica, era mais jovem, não entendia nada, nada. Houve dificuldades por eu não entender? Sim. Tive alguns problemas em relação a isso? Sim, tive, mas ficaram para trás. Nunca senti que este não era meu lugar. Pelo contrário, desde que eu vim para cá, eu senti que este era o meu lugar. Passei por situações em que acabei ficando chateada, vendo, de certa forma, uma rejeição do tipo “ahhh, quem é ela?”. Porém, mesmo nessas situações, eu consegui mostrar que eu não estava aqui para ficar de briguinha e que, acima de tudo, o importante era o trabalho. Fui impondo o meu respeito, e as pessoas foram reconhecendo isso, que é o mais importante. Acho que foi um casamento: tinha que ter uma mulher aqui, senão não andaria. Este é um mundo totalmente diferente do meu, eu sou mãe, esposa, muito família. Mas eu tive dois filhos homens, só tive homem na minha vida, então, tanto na vida dos meus filhos quanto aqui, acho que precisava de uma mulher. Estou brincando, mas, antes da Zelinda, teve um homem coordenando a Gráfica, mas não deu certo. Acho que o olhar feminino tem uma delicadeza que precisava entrar aqui, neste mundo bruto. Talvez, por isso, esse casamento tenha dado certo.
Entrevista e edição: Marcia Dutra e Vinícius Máximo
Foto: Fernando Netto