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Entrevistas

Programa de Exposições 2018: Aline Motta

Uma das selecionadas para a II Mostra do Programa de Exposições 2018, a artista Aline Motta explora os limites entre a memória pessoal e a memória coletiva, assim como as lacunas da pesquisa histórica relacionada à escravidão no Brasil, com a instalação fotográfica Filha Natural

Sua formação é em comunicação social e cinema. Como se deu sua aproximação com o universo das artes visuais enquanto criadora?
De fato minha trajetória nas artes visuais é um pouco não convencional. Eu demorei muito tempo, eu diria décadas, para conseguir dar uma forma ao que eu tinha para dizer e produzir de uma maneira mais consistente. Acredito que, por conta deste longo processo, meus trabalhos têm de fato um caráter interdisciplinar e se desdobram em diversos suportes.

A herança escravista é um traço estrutural da sociedade brasileira e atravessa todas as nossas relações ainda hoje. É possível dizer que, ao rememorar esse passado coletivo e, ao mesmo tempo, individual, Filha Natural busca criar novas possibilidades de leitura e interpretação da história do negro no Brasil? Como isso se evidencia na instalação?
Filha Natural
advém de uma extensa pesquisa que tenho realizado em torno das origens da minha família. Essa pesquisa começou com um trabalho chamado “Pontes sobre Abismos” e tem sido desdobrada em outras obras, que partem sempre de uma busca muito íntima e pessoal em torno das relações familiares e de como somos afetados por elas em diversos níveis. Desta maneira, tenho procurado tensionar os limites entre a memória pessoal e a coletiva e também fabulado em torno das lacunas que a pesquisa histórica não conseguiu responder.

Em Filha Natural o foco é na história da minha tataravó Francisca, que trabalhou como escravizada numa fazenda de café em Vassouras (RJ). Eu fui até lá procurar por vestígios dela, mas encontrei apenas um possível atestado de óbito de alguém com o mesmo nome e idade aproximada que morreu na “Fazenda de Ubá”. Esta informação foi o ponto de partida em torno do qual todo o trabalho se construiu e que ainda não o considero totalmente terminado.

De que modo a questão de gênero também é decisiva para a configuração do trabalho apresentado na II Mostra do Programa de Exposições 2018?
Sim, tenho colocado a história das mulheres da minha família como eixo narrativo central do meu trabalho. Em Filha Natural também conto com a contribuição de Claudia Mamede, uma líder comunitária de Vassouras, cidade onde nasceram pelo menos quatro gerações de mulheres da minha família. Na instalação fotográfica que compõe o trabalho da Mostra, Claudia habita este espaço simbólico da varanda da casa-grande como disruptora de uma certa narrativa de servidão e complacência entre senhores e escravizados, personificando tanto as minhas antepassadas quanto as dela. Neste jogo de espelhamentos, constatamos que de fato pouco mudou, mas ainda acredito que um projeto artístico poético-político que desarrume estes espaços de poder há muito arraigados pode ser, sim, uma ferramenta de enfrentamento destas questões.

 

Entrevista: Marcia Dutra e Vinícius Máximo
Foto: Divulgação

 

*Publicado em 9 de janeiro de 2019

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