Podcast “Sem Título”
Você já parou para pensar que toda interação humana é uma história em potencial? Ao mesmo tempo em que a vida acontece, grandes e pequenos acontecimentos surgem e se dissipam, constantemente. Pensando nisso, o novo podcast do Centro Cultural São Paulo, “Sem Título”, conta para o público histórias, anedotas, acontecimentos, fatos e curiosidades ainda não contados, que se passaram dentro da instituição, e que marcaram, de alguma forma, a vida de seus funcionários.
No quinto episódio, Tessi Ferreira conversou com Edson Marçal, funcionário da Discoteca Oneyda Alvarenga, que faz parte da Supervisão de Acervos.
Para ouvir o episódio na íntegra clique aqui e acesse o Spotify do CCSP. Também disponível no Google Podcasts e na Radio Public.
No canal do YouTube do CCSP você confere a entrevista completa com Marta Regina.
Episódio #05 – A rotina: o singelo e o grandioso
Referências e notas do episódio
1. Entrevista com Adam Lambert
Transcrição completa
Abre aspas
Sem Título
Fecha aspas
Olá, eu sou a Tessi Ferreira, estagiária da Comunicação do CCSP, e gostaria de dar as boas vindas ao “Sem Título”, um podcast do Centro Cultural São Paulo que narra histórias, fatos e curiosidades ainda não contados, que se passaram dentro da instituição, e marcaram, de alguma forma, a vida de seus funcionários. Se você está chegando agora, te convido a visitar também os episódios anteriores.
Bem, o cenário de hoje é a Discoteca Oneyda Alvarenga do CCSP, que faz parte da Supervisão de Acervos da instituição. A pessoa que conversou comigo pra esse episódio é o Edson Marçal, um funcionário que trabalha na Discoteca há mais de uma década.
Se você ouviu os outros episódios do “Sem Título”, vai perceber que este vai ser um pouco diferente. O Marçal me contou muitas histórias diferentes, pequenas e grandes vivências em seu tempo no CCSP até hoje. Achei essas histórias muito preciosas, e por isso o que você ouvirá hoje será um compilado de todas elas.
A Discoteca Oneyda Alvarenga é um espaço do CCSP dedicado à salvaguarda, sobretudo, de música. Lá, os frequentadores encontram discos, partituras, livros e outros materiais sobre os mais variados gêneros musicais. O público pode, organicamente, ouvir discos, tanto na audição livre, manuseando o disco e o tocador livremente, mas também através de outros dispositivos, com a ajuda dos funcionários.
[Edson] A discoteca ela foi criada pelo Mário de Andrade em 1935, quando ele foi nomeado chefe do departamento de cultura da cidade, ele era professor de história e estética musical no Conservatório Dramático Musical de SP. Na casa dele, ele era professor de piano e a Oneyda Alvarenga foi aluna dele. Ela tinha alguns primos em São Paulo e eles já eram alunos do Mário, então a família deixa ela vir estudar em São Paulo, onde ela se forma como musicóloga. Depois, ela retorna pra sua cidade de origem, Varginha em Minas Gerais. O Mário é nomeado e tem a intenção de criar uma rádio escola, então ele lembra da aluna dele e a convida pra ser a primeira diretora desse projeto. Então ela retorna a São Paulo e passa a carreira profissional toda na Discoteca. A Discoteca é criada em 35 e ela fica trabalhando até 68, onde se aposenta. Em 1984 a Discoteca passa a se chamar Oneyda Alvarenga, que era Discoteca Pública Municipal, até então.
A música, desde muito tempo, está presente na história da humanidade. É um dos mais importantes elementos de manifestação artística e cultural dos mais diversos povos e sociedades ao redor do mundo. Ao longo da vida, cada um de nós vai desenvolver uma relação diferente com essa expressão da arte. Essa relação vai ser atravessada por muitos fatores: pelo território onde vivemos, nossas relações familiares, amizades, contexto social e político do país, entre vários outros. Mas um fato é: ao mesmo tempo em que a música pode ser algo extremamente individual e pessoal, ela também é algo para ser celebrado em coletivo.
Parte I – Uma visita ilustre
Então, a Discoteca em 2015 recebeu uma visita internacional. Estava ocorrendo o Rock in Rio e alguns integrantes passaram aqui em São Paulo. Adam Lambert, que substituía o Fred Mercury fez uma visita no Centro Cultural São Paulo e na Discoteca. Eu tinha visto em reportagens que ele gostava do Ney Matogrosso, então eu corri na Livraria Cultura e comprei um DVD pra presenteá-lo. Então, no dia seguinte veio a recompensa, saiu na internet que ele tinha visitado o CCSP e tinha sido presenteado pelos funcionários.
O artigo publicado pelo UOL você encontra nas notas deste episódio.
Parte II – Uma ideia inovadora
Em 2016 foi feito um processo seletivo para contratação de um novo estagiário para a Discoteca. O Marçal esteve responsável pela seleção dos currículos, e eis que o estagiário escolhido foi o Bruno Esslinger. O Bruno teve um papel importante, segundo Marçal, porque ele auxiliou na recepção de vários grupos de pessoas que estavam vindo ao CCSP na época para os eventos de comemoração de 80 anos da Discoteca.
[Edson] O Bruno e eu sentimos falta de um som externo, porque todo mundo ouvia o som através de fones de ouvido, então as pessoas sentavam nas cadeiras pra ouvir as músicas, mas através de fones. Mas a gente sentia falta de um som externo. Então, o Bruno teve a ideia de colocar um som externo, começamos a procurar umas caixas e encontramos na nossa reserva, tinha uma plaquinha escrito “Discoteca Oneyda Alvarenga”, e passou a comportar 25 cadeiras. Então nós nos sentíamos no auditório da Discoteca. Inclusive, em tempos passados já teve, porque a Oneyda fazia concertos de discos na Discoteca.
Nas palavras do Marçal, não tem como ir a uma Discoteca e não ouvir uma música. Por isso, a ideia de compartilhar coletivamente esse momento, é tão especial.
[Edson] A gente vai explicando pra algumas pessoas “olha, se eu ouvi aqui trinta discos, foi muito”.
Uma das primeiras coisas que eu, Tessi, fiz ao entrar no CCSP, foi ir a Discoteca ouvir um disco. Ouvi um álbum do Fagner e foi um momento bastante especial. Parar e fazer só aquilo naquele momento. Saborear a melodia, degustar a poesia da letra…
Perguntei ao Marçal se essa é uma prática que ele tem:
[Edson] E você toca pras pessoas, pra você mesmo você não ouve. Eu tenho minhas memórias afetivas, vez ou outra acontece da gente estar com um disco desses perto, minha mãe ouvia Altemar Dutra, o meu pai gostava muito do Julio Iglesias… Aí emociona.
É bonito como, mesmo dentro do fluxo de trabalho, o Marçal, assim como outros funcionários, possivelmente, são atravessados por memórias e afetos ao se depararem com determinados discos, obras e músicas. É como estar descuidado, realizando qualquer tarefa cotidiana e de repente esbarrar na lembrança calorosa de uma pessoa amada, de um lugar importante, de uma época saudosa.
Parte III – O que toca no coração
[Edson] Tenho recordações, uma que eu gosto de contar pras pessoas é do grupo Raíces de América, porque quando eu tinha de 16 pra 17 anos, esse grupo se apresentou no Sesc e eu lembro que apagaram-se as luzes e um dos integrantes pegou uma caixinha e solou a música “Guantanamera”. As luzes focadas nele e depois entra o grupo todo cantando. Naquela época eu levei minha atual esposa e meus cunhados, nós íamos a vários lugares pra ouvir música. Aí, há pouco tempo o Raíces de América se apresentou aqui no Centro Cultural São Paulo, então eu trouxe as filhas, pra assistirmos todos juntos.
Em julho de 2023 o CCSP recebeu o grupo Raíces de América, para seu show “Drummond, Neruda, Cortázar, Meireles y Galeano”, unindo música e poesia e relembrando o primeiro show do grupo, há mais de 40 anos.
Parte IV – Ouvir o público
Além do mais, o Marçal tem um papel importante que é o de escolher discos para que outras pessoas ouçam… F f Fazer uma playlist, como falamos hoje em dia, não é uma tarefa fácil, justamente porque você está tentando acessar os afetos de outras pessoas. Um trabalho que requer, literalmente, ouvidos e sensibilidade apurados.
[Edson] Uma das coisas que eu adotei com o aumento de visitantes foi perguntar algumas características do grupo que estava vindo, pra tentar advinhar, né. Porque é muito grande nosso universo de discos, e você não vai tocar sempre a mesma música, e é difícil você acertar o gosto das pessoas, saber o que elas estão esperando ouvir. O que é mais importante na Discoteca é a totalidade do acervo, a grandiosidade dessa coleta de tantos anos, acumulando sucessos, músicas didáticas, gravações diversas, dá pra passar uma vida aqui e não consegue ver tudo.
Parte V – A memória guardada (ou não)
Já citei algumas vezes, em outros episódios do podcast, o fato da memória individual ser atravessada pela memória coletiva, e vice– e –versa. Uma das coisas mais importantes que os acervos públicos fazem, é justamente preservar uma memória nacional no plano macro, mas que é construída a partir da história de vida de indivíduos. Sendo assim, é comum que diversas pessoas recorram aos acervos para acharem materiais de suas próprias vidas ou da vida de outras pessoas.
O Marçal me apresentou um livro chamado “Frank Smit: O Violinista”, que reúne parte da biografia deste artista, e que foi organizado por sua sobrinha, Silvia Prado Smit. Na época, a Silvia foi até a Discoteca tentar achar informações sobre a obra do tio, e quem a atendeu foi o Marçal.
[Edson] E ela vem consultar se tem áudio dele aqui na Discoteca, se tem alguma gravação, e eu fiz de tudo. Procurei nos fichários, fiz toda pesquisa possível pra localizar alguma gravação dele, e não encontrei nada. E pra minha surpresa, ela veio trazer os exemplares do livro e ela coloca que esteve aqui na Discoteca, procurou os áudios, que eu a atendi, fiz a pesquisa, e eu não imaginava ser mencionado por não ter encontrado alguma coisa.
Por outro lado, há também um relato de um material que não foi procurado, mas foi encontrado…
[Edson] Eu falei “vamos dar uma olhadinha”, nós temos aqui um catálogo chamado “Discografia brasileira: 78 rotações por minuto”, ele pega de 1902 até 1964, um material da Funarte. Aí eu encontrei um disco do Fábio, quando ele era Juanito Rolón, um disco em 78 rotações. Imediatamente o irmão dele ligou lá pra Bahia e contou a novidade.
Por fim, o Marçal nos conta uma informação preciosa sobre parte do propósito inicial da Discoteca.
[Edson] O público da Discoteca sempre foi formado também pelos moradores de rua, sempre foi uma dificuldade as pessoas terem equipamento de música. Então, quando começa a música comercial, as pessoas não tinham equipamento, então a Discoteca sempre supriu esse lado.
As histórias contadas aqui podem parecer soltas, mas todas estão costuradas pela presença da música na vida de muitas, muitas pessoas.
Como dito no começo do episódio, a música está presente em nossas vidas, em suas mais variadas formas, gêneros, plataformas… Nas festas de família, encontros com os amigos, aniversários, casamentos, caminhadas, viagens de ônibus, trajetos no transporte público, declarações de amor, grandes eventos, entre muitos outros contextos e situações, a música está presente como trilha sonora, como pano de fundo ou como protagonista.
E mesmo sendo algo tão presente, tão fundamental, a música não é acessada da mesma maneira por todas as pessoas. E daí a importância de espaços que democratizam este acesso, que abrem as portas para que o som circule e reverbere por aí.
[Edson] Eu acho que resumindo, todo o meu trabalho aqui na Discoteca é tornar ela interessante, porque eu tornando ela interessante, ela estará viva. Isso é o que eu faço!
Esse foi o quinto episódio do podcast “Sem Título”, do Centro Cultural São Paulo. Em breve, novos episódios estarão no ar, trazendo histórias de outros acervos da instituição.
Informações mais detalhadas sobre os acervos, visitação, notas deste episódio e outros materiais, você encontra em nosso site: centrocultural.sp.gov.br
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Este episódio teve
Roteiro, pesquisa e narração de Tessi Ferreira
Colaboração de Edson Marçal
Captação de áudio de Eduardo Neves
Captação de vídeo e edição de áudio de Rubens Gonçalves
Edição de vídeo de Yago Sivi
Arte gráfica de Tamiris Viana e Isaac de Moraes
Revisão de texto de Isabela Pretti
Muito obrigada e até a próxima!