Podcast “Sem Título”
Você já parou para pensar que toda interação humana é uma história em potencial? Ao mesmo tempo em que a vida acontece, grandes e pequenos acontecimentos surgem e se dissipam, constantemente. Pensando nisso, o novo podcast do Centro Cultural São Paulo, “Sem Título”, conta para o público histórias, anedotas, acontecimentos, fatos e curiosidades ainda não contados, que se passaram dentro da instituição, e que marcaram, de alguma forma, a vida de seus funcionários.
No quarto episódio, Tessi Ferreira conversou com Marta Regina, coordenadora do Arquivo Multimeios, que faz parte da Supervisão de Acervos.
Para ouvir o episódio na íntegra clique aqui e acesse o Spotify do CCSP. Também disponível no Google Podcasts e na Radio Public.
No canal do YouTube do CCSP você confere a entrevista completa com Marta Regina.
Episódio #04 – Ver germinar e regar o solo
Transcrição completa
Centro Cultural São Paulo apresenta
Abre aspas
Sem Título
Fecha aspas
Olá, eu sou a Tessi Ferreira, estagiária da Comunicação do CCSP, e gostaria de dar as boas vindas ao “Sem Título”, um podcast do Centro Cultural São Paulo que narra histórias, fatos e curiosidades ainda não contados, que se passaram dentro da instituição, e marcaram, de alguma forma, a vida de seus funcionários. Se você está chegando agora, te convido a visitar também os episódios anteriores.
Hoje nós estamos no Arquivo Multimeios, junto a uma convidada bastante especial, a coordenadora deste acervo, Marta Regina Paolicchi.
Para quem não sabe, o Arquivo Multimeios é um dos acervos da Supervisão de Acervo do Centro Cultural São Paulo, e como o próprio nome sugere, nele estão armazenados quase um milhão de materiais de diferentes tipos: fotografias, vídeos, CDs, DVDs, fitas sonoras, outras obras de artes visuais, e muitos outros. Mas esses materiais não são aleatórios, eles dizem respeito à produção artística, entre aspas, contemporânea, da cidade de São Paulo. Coloco o contemporânea entre aspas porque as obras presentes no Arquivo estão datadas de 1977 até mais ou menos 2007.
[Marta] Ele veio de um departamento que foi criado em 1975, com o objetivo de coletar pesquisas e documentações reflexivas sobre a arte contemporânea em São Paulo. Ele foi criado, na época, esse departamento, ele foi estudado e batalhado por uma bibliotecária e crítica de arte, a dona Maria Eugênia Franco, era ela bibliotecária da biblioteca de arte que ficava na Mário de Andrade, e era muito amiga do Sérgio Milliet, que dá nome a nossa biblioteca aqui do CCSP. Como eles formavam um grupo de intelectuais, eles fizeram essa proposta ao prefeito e a Câmara dos Vereadores e conseguiram transformar em realidade esse projeto, isso vinha de encontro na época a política do Ministério da Educação e Cultura, e a gente pode dizer que ele é um filhinho do Departamento de Cultura do Mário de Andrade, porque a ideia era muito parecida. Seria como se a gente tivesse herdado aquelas ideias do Mário e transformado no departamento.
Bem, vamos lá, o que tudo isso tem a ver com o Arquivo Multimeios? Calma que a gente vai traçar essa linha e tudo vai fazer sentido. O que a Marta nos conta até aqui é um pouco do processo de criação do Arquivo até ele se tornar o que é hoje, alocado no CCSP. Então, tudo começou com a criação do IDART (Departamento de Informações e Documentação Artística), em 1975.
Vou abrir um pequeno parênteses para te explicar o que foi o IDART. O departamento de Informações e Documentações Artísticas foi criado em 1975 pela Secretaria Municipal de Cultura. O objetivo desta iniciativa era criar uma instituição multidisciplinar voltada para o registro das manifestações artísticas brasileiras produzidas e difundidas na cidade de São Paulo.
Imagine um grupo de amigos que depois do trabalho se encontram para tomar um café e começam a ter ideias sobre como preservar a memória artística da cidade de São Paulo, e tornar esse material mais acessível para a população. Foi mais ou menos isso que Maria Eugênia, Sérgio Milliet e mais uma galera fizeram. Brincadeiras à parte, é meio assim que grandes ideias surgem, não é?
Outra coisa interessante que a Marta nos traz é a referência ao Departamento de Cultura do Mário de Andrade. A gente falou um pouco sobre ele no terceiro episódio do podcast, então eu sugiro que você também ouça essa conversa. Mas enfim, é curioso pensar que algumas iniciativas, ainda que permaneçam para sempre, inspiram outros projetos e ações, como foi o caso da influência de Mário sobre o que veio depois na cultura paulistana.
Voltando ao IDART, uma das sessões do departamento era o centro de pesquisa em arte brasileira contemporânea. Essa informação é relevante, porque em 1977, quando o Arquivo Multimeios é criado, o objetivo era justamente ser o guardião da produção desse centro de pesquisa.
Também é importante dizer que Décio Pignatari, um poeta e ensaísta paulista, esteve à frente do Centro de Pesquisas em arte brasileira contemporânea na época. Foi ele quem orientou as pesquisas para a formação do acervo. O eixo de trabalho foi chamado de “dentro e fora do sistema”. Isso significa que no Arquivo existem obras de arte tanto advindas do circuito comercial, quanto as de caráter alternativo, experimental e à margem do sistema.
[Marta] E em um determinado a dona Mária Eugênia falou “bom, tem um armário cheio de pesquisas e documentações, então agora a gente precisa de um lugar para que o público tenha acesso e a gente guarde esse material com todo cuidado”. E então foi criado o Arquivo Multimeios em 1977.
Ou seja, a realização de pesquisas e a produção artística, segundo a Maria Eugênia e outros artistas e pesquisadores, não fazia sentido sem que esses materiais pudessem ser preservados e acessados pelo público.
Quando o Centro Cultural São Paulo é inaugurado, em 1982, várias sessões deste departamento, o IDART, foram alocadas aqui, inclusive o Arquivo Multimeios.
Agora nós já entendemos um pouco melhor o fio da meada da construção do Arquivo Multimeios e sua trajetória até chegar aos cuidados dos funcionários do CCSP.
Quem nos contou tudo isso foi a Marta, mas ela não fez parte da criação do acervo, o que significa que outras pessoas também foram responsáveis por transmitirem para ela todas essas informações e histórias. Nesse sentido, é como se cada indivíduo que esteve presente nesse processo fosse tirando uma foto. Congelando um frame da história e armazenando em algum lugar da memória. Afinal, quando fotografamos algo ou alguém, é um pouco na intenção de registrar e preservar aquele momento, aquele acontecimento, aquela pessoa.
Se pegarmos todas essas fotos imaginárias, teremos um filme, uma linha do tempo que nos contará uma história. A beleza desse processo está então no olhar particular de cada um. E por falar em foto, por falar em perspectiva…
O ano é 1985 e no CCSP há uma recém contratada, com os seus 24/25 anos, em início de carreira, ainda cursando a faculdade de biblioteconomia. Essa jovem mulher é a Marta.
[Marta] Houve um seminário no MIS, aqui em São Paulo, sobre fotografia e nós recebemos antes desse seminário, a visita de dois profissionais da George Eastman Museum, em Rochester, NY, eles vieram fazer uma visita aqui e fizeram em outros acervos também que tinham fotografia, porque lá eles cuidam de fotografia. A chefe da época foi nesse seminário, e pra surpresa dela eles começaram a citar o arquivo na fala deles, e falaram de forma muito carinhosa e elogiosa, o que foi uma surpresa pra ela. Eles disseram o seguinte: o próximo arquivo que visitamos foi uma tremenda surpresa para nós dois, era o Arquivo Multimeios do Centro Cultural São Paulo. A primeira coisa que nos surpreendeu foi o simples fato dele existir, uma ideia extremamente avançada, começamos a ver quão sofisticados e elaborados em termo de sofisticação de como usar os registros de documentação fotográfica de forma eficaz.
Para a Marta este foi um grande momento que marcou sua trajetória no Arquivo Multimeios, que na época estava só começando, porque ao ouvir aquelas palavras que, segundo ela, ecoam até hoje em seu coração, ela sentiu que seu trabalho e de tantas outras pessoas estava sendo reconhecido. E naquele contexto, ela não fazia ideia de quantos desafios diários estariam por vir, mas sentiu que aquele era seu lugar, e se alegrou por isso.
[Marta] Onde a gente teve a reafirmação do nosso trabalho, e como a gente ainda tinha membros fundadores do arquivo naquela época, pra eles foi um orgulho tremendo, e pra nós que estávamos começando a trabalhar no arquivo foi um incentivo, de que estávamos caminhando na direção certa. Eu já gostava muito de artes antes de entrar no arquivo, ia em exposição, gostava muito de música, então pra mim foi um encontro entre a minha profissão e meu gosto pessoal. Eles falando isso, então, reafirmou tudo aquilo que eu já estava sentindo, eu falei é o lugar onde eu quero trabalhar, mesmo. Me encontrei ali e estou aqui até hoje.
O “Encontro sobre preservação de fotografias” ocorrido no Museu da Imagem e do Som em 1985, traz no próprio nome algo interessante. A ideia de que imagens congeladas não dizem muita coisa sozinhas. Mas quando atreladas afetivamente às pessoas, às cidades, aos territórios, revelam nuances, personagens, acontecimentos e camadas que poderiam se esvair, se perder. E para isso, a preservação é fundamental.
A arte contemporânea de São Paulo é diferente daquela documentada nas décadas de 80, 90 e nos anos 2000. Mas sem essa memória, muitos artistas teriam seus trabalhos esquecidos, deteriorados… E da mesma maneira que cada material do extenso acervo do Arquivo Multimeios foi pensado e produzido por pessoas, a preservação desses materiais também é feita por pessoas, ano após ano, costurando gerações e cuidando afetivamente, diariamente, da memória da arte brasileira para a posteridade.
[Marta] Então se você não tomar cuidado, você vai perder pra sempre aquele momento. Então o registro é muito importante, tem que ser registrado.
Esse foi o quarto episódio do podcast “Sem Título”, do Centro Cultural São Paulo. Em breve, novos episódios estarão no ar, trazendo histórias de outros acervos da instituição.
Informações mais detalhadas sobre os acervos, visitação, notas deste episódio e outros materiais, você encontra em nosso site: centrocultural.sp.gov.br
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Este episódio teve
Roteiro, pesquisa e narração de Tessi Ferreira
Colaboração de Marta Paolicchi
Captação de áudio de Eduardo Neves
Captação de vídeo e edição de áudio de Rubens Gonçalves
Edição de vídeo de Yago Sivi
Arte gráfica de Tamiris Viana e Isaac de Moraes
Revisão de texto de Isabela Pretti
Muito obrigada e até a próxima!