No aniversário de São Paulo, o Cinexperimenta fez a sua estréia no Centro Cultural São Paulo, trazendo uma exibição gratuita do filme ‘Delírios de um Anormal’, de Zé do Caixão, musicada ao vivo pela banda Sophia Chablau e uma enorme Perda de Tempo e pelo músico Vitor Araújo.
Antes da banda entrar no palco, o CCSP entrevistou o grupo para saber do processo e dos desafios de se musicar um filme ao vivo. Confira a seguir a entrevista completa:

CCSP: Vocês já estiveram aqui em 2019, se apresentando como banda. Como é estar de volta ao CCSP, agora musicando um filme do Zé do Caixão?

Theo Cecato: Eu tava com a minha mãe essa semana, a gente foi almoçar e aí eu falei: “Ah, mãe, vamos lá, vai ser demais, Zé do Caixão, vamos ver.” Ela falou: “Cara, a última vez que eu fui no CCSP foi para ver vocês em 2019”. Então para minha mãe vai ser a mesma experiência.
Téo Serson: Acho que é muito massa, muito mágico. Esse é um dos espaços mais legais de São Paulo, que já vi shows muito legais. Pô, o show que a gente fez em 2019 foi nosso primeiro show maior, um dos mais importantes também que a gente fez. E essa coisa de estar trilhando um filme é uma oportunidade experimental, que é tudo que a gente ama.
Sophia: Total. Total. Nada a acrescentar. 

CCSP: Vocês já tinham feito algo tão diferente quanto musicar um filme? Quais são os desafios de interpretar uma trilha sonora ao vivo?

Sophia: Olha, eu acho que a gente nunca tinha se proposto a fazer uma coisa tão diferente. Já fizemos shows com outras formações e tal, principalmente quando a gente era mais novo. Então faz muito tempo que não temos essa oportunidade de fazer uma parada diferente, realmente.
Acho que o desafio é pensar em como intervir no filme de uma forma que traga, ao mesmo tempo, a nossa cara e a cara do filme. Isso é uma coisa bem legal de se pensar, porque quando você deixa o filme mutado, sem áudio, parece uma página em branco, sabe? Dá para interpretar o filme de vários jeitos. Então, pra fazer a trilha ficamos muito nessa toada de como deixar a cara do filme e a nossa cara. Foi um desafio muito legal, mas na verdade foi algo que tiramos meio de letra também. Estranhamente, acho que por conta da formação do que a gente tava se propondo a fazer, a trilha ficou muito coesa. 
Só para contextualizar, são quatro delírios no filme. A gente separou os quatro, dividiu meio em grupos ou individualmente, para cada um fazer um dos delírios. Porque os delírios são momentos sem fala, e têm uma trilha sonora anterior, aí a gente tirou a trilha sonora dessas partes sem falas e retrilhou elas.
Como a gente dividiu, cada um teve mais tempo para se debruçar sobre cada parte e chegar com alguma ideia própria. Aí, a gente chegou nessas ideias juntos. Foi muito legal, porque também foi a primeira vez que a gente dividiu bastante. Normalmente, na banda, a gente faz tudo muito junto, inclusive os arranjos. E aí dessa vez cada um tinha que ter uma ideia, o que foi muito legal.
Dr.Smirnoff: E cara, foi uma escolha muito certeira da curadoria. A gente chegou primeiro com a ideia de fazer [a trilha de] algum filme. Quando começamos a conversar com o CCSP, a gente não tinha ideia de qual filme seria e ficamos debatendo entre nós o que poderia ser proposto, mas não chegamos a nenhuma conclusão clara. Depois, a curadoria do CCSP mandou uma lista de filmes e entre eles tinha o “Delírios de um Anormal” que a gente não conhecia, não tinha visto.
Theo Cecato: Na verdade eu já tinha visto, e o Vitor também.
Dr.Smirnoff: Mas aí a gente ficou pensando em relação ao filme, e no final foi uma decisão muito certeira justamente porque o “Delírios de um Anormal” tem várias sequências de trilha sem diálogo, o que faz dele muito aberto interpretativamente. A trilha tem um peso muito grande na interpretação, porque é tudo muito onírico, muito psicodélico. Realmente é um espaço muito livre e não tem tanta informação de diálogo que a gente precisa estar sempre protegendo e ajudando a comunicar. Então foi uma escolha muito certeira.
Téo Serson: É, parece um filme feito pra gente. E isso é interessante porque em 2019 a gente fez vários shows diferentes, tocando com outra galera, com outras formações e tudo. E depois a gente passou muito tempo sem fazer isso, e especificamente no final do ano passado fizemos uma releitura do “Loki?”, do Arnaldo Baptista. Teve um momento que a gente fez muito isso, um momento que a gente passou um hiato imenso só tocando o nosso show, e daí agora a gente tá vivendo nesse terceiro momento que coincide um pouco com o primeiro, em que a gente tava compondo o primeiro e segundo disco e começou a circular com os discos. Agora a gente querendo compor outras coisas, então está sendo uma oportunidade maravilhosa de exercitar inventividade.

CCSP: A banda e o Vitor Araújo já trabalharam juntos. Inclusive, o Vitor fez parte da produção do último álbum, junto da Ana Frango Elétrico. Como vocês se conheceram e como é estarem unidos agora todos juntos aqui no CCSP? 

Sophia: Cara, eu sou muito fã do Vitor. Vou morrer sendo fã do Vitor. E comecei sendo fã muito nova: com 12 anos eu gostava muito já do trabalho dele, do disco “A / B”, que é um disco anterior dele, acho que é o primeiro ou segundo. Eu era muito fã e sempre fiquei com esse nome na cabeça.
Cheguei a conhecer ele num dos shows de lançamento do “Levaguiã Terê”, que é o terceiro disco dele. A gente até foi tomar uma cerveja depois e tal. Mas isso aconteceu lá em 2018… Aí passou muito tempo, a gente foi meio se reencontrando por coisas do destino – se reencontrando porque é uma cena meio parecida, mas também porque eu sou muito fã dele, então ia atrás do que ele estava fazendo.
E aí, quando a gente estava pensando no disco “Música do Esquecimento”, eu surgi com esse nome e falei: “Acho que o Vitor pode ser um produtor muito bom para o nosso disco”, por ser uma pessoa que também fica pensando muito e tem um compromisso muito grande com inventividade, dele ser um cara que tem um pouco dessa “paranoia” quase, de realmente tentar criar alguma coisa nova, e como o nosso disco “Música do Esquecimento” tinha muito a ver com isso, ele foi um nome que apareceu bastante. E aí ele foi se aproximando da banda, viu o nosso show, gostou muito, ficamos amigos, nós quatro. E eu também, que não era tão amiga dele, era mais uma fã. Agora eu sou realmente amiga dele. 
Téo Serson: Um detalhe importante aqui é que o Vitor não só fez parte da produção, o Vitor foi o produtor do disco. A Ana, que de algum modo fez parte, entrou como co-produtora num momento específico da produção. O Vitor produziu o nosso disco.

CCSP: Vocês têm seus projetos independentes com outras bandas, Bufo Borealis, Pelados, Besouro Mulher… inclusive a Sophia lança um compacto no fim do mês com o Felipe Vaqueiro do Tangolo Mangos. É muita coisa. Como vocês conseguem administrar tantos projetos paralelos? E se vocês pudessem recomendar um caminho para conhecer esses trabalhos, qual seria?

Theo Cecato: Posso começar com o caminho? Vai no show. Vai no show do Bufo, inclusive o Bufo fez trilha também para dois filmes, “O sangue de um poeta” do Jean Cocteau e o “Casablanca”. Foi foda. 
Dr.Smirnoff: Minha primeira experiência fazendo trilha foi com o Bufo, na real. 
Téo Serson: O do Cocteau eu e o Theo a gente foi e foi muito legal. Foi animal, foi lindo.
Theo Cecato: E eu acho que é isso, vai no show, conhece a galera, você vai acabar trombando com todas essas e muitas outras bandas. Porque teve Pelados com Bufo, Tangolo Mangos com Uma Enorme, Besouro Mulher com Pluma. Se você começar aí, você vai descobrindo as coisas, porque ao vivo é sempre melhor. 
Sophia: Eu sinto que se eu tivesse que escolher uma coisa para fazer na vida, a minha vida ia ser um saco, sabe? Eu faço música porque eu gosto de fazer coisas diferentes, tá ligado? Eu nunca quero me comprometer 100% com uma coisa. Quer dizer, na verdade eu sou comprometida com todas as coisas, mas não quero restringir toda a minha felicidade em criar coisas num certo gênero nunca. E eu acho que tem vários movimentos que a gente faz, nós quatro, que são muito parecidos.
Assim como tem vários movimentos que eu faço de busca por criatividade e outras coisas, como o que eu estou agora fazendo com o Vaqueiro. É outro lugar, outro lugar de criatividade. A gente fazendo essa coisa agora no CCSP é outro lance, então eu sinto que para mim, pessoalmente, se eu tivesse que escolher uma coisa tipo “Ah, eu preciso fazer uma banda”, acho que eu ficaria cansada muito rápido. Tendo várias bandas você também vai se divertindo, vai ampliando e tudo vai se colaborando, sabe? As coisas colaboram.
Téo Serson: E vai achando um lugar para colocar partes de você ou da sua sensibilidade que não caberiam completamente num projeto só, colocar em lugares diferentes.
Dr.Smirnoff: E a gente foi conseguindo isso também à medida que foi funcionando financeiramente pra gente trabalhar com música. À medida que a gente começou a receber o suficiente para se sustentar, de repente organizar esses projetos não era um problema, mas uma necessidade.
Téo Serson: No fundo, com um só projeto ninguém pagaria as contas.
(…)
Dr.Smirnoff: Acho que essa parada de trilhar um filme é muito legal porque a gente costuma trabalhar com canção, que a forma é muito estruturada pela letra e pela melodia, e quando a gente tem que lidar com um tempo fixo, quando você tem dois minutos para fazer tal coisa e depois mais três minutos, é uma outra perspectiva que realmente faz a gente pensar de um outro jeito mais compositor e menos cancionista assim, o que é meio inédito. 
Téo Serson: Eu achei o som mais maluco que eu tive oportunidade de fazer. Quando a gente parou e fez as primeiras gravações, quando a gente ainda estava montando, eu parei e falei: “Caramba, esse é um som que eu sempre quis fazer”, mas que é um pouco maluco demais para a gente fazer no nosso regime normal de produção, digamos assim. 

Entrevista: Gustavo Ivo
Transcrição e revisão: Bárbara Bigas
Revisão final: Isabela Pretti

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