Ninguém passa ileso pela adolescência. Uma das fases em que estamos encontrando nosso espaço dentro da sociedade, em que estamos negociando com mais intensidade o que desejamos e o que sentimos com aquilo que está colocado socialmente. É o momento em que queremos expandir as asas da liberdade, mostrar que nos sentimos independentes de alguma forma e poder gritar em alto e bom tom: “Eu sou infinito”.
A frase é do personagem Charlie (Logan Lerman) de As vantagens de ser invisível (Stephen Chbosky, 2012) e acredito que é o melhor sentimento que define esse período da vida. Charlie passou por um problema e teve que abandonar por um tempo os estudos. Em seu retorno à escola, ele se sente em um lugar conhecido, porém completamente diferente. Os amigos já não agem da mesma forma que antes e é ali que ele precisa encontrar seu lugar. Afinal, nós somos seres sociais e, em certa medida, o contato com o outro é importante. Principalmente nessa etapa da vida, em que vamos conhecer nossos limites e aprender com eles.
A experiência de ser adolescente não é algo simples. Os desejos estão começando a nascer de maneira mais concreta, temos a necessidade de pertencer a um grupo, de se encaixar e, para isso, fazemos tudo o que podemos. Como não pensar em Candy Heron (Lindsay Lohan) de Garotas malvadas (Mark Waters, 2004)? Mas também podemos pensar nos alunos do filme Entre os muros da escola (Lauren Cantet, 2008), que chegam a abusar de sua indisciplina perante os professores como uma maneira de se fazerem importantes entre aqueles que os assemelham: os outros adolescentes.
É verdade que essa fase é o momento em que nos desligamos do universo infantil, mas ainda não entendemos – ou talvez não queiramos entender – o universo adulto. A série Toy Story é um dos exemplos que representam esse momento. Acompanhamos Woody e seus amigos desde seu primeiro dono, Andy, até ao final de Toy Story 4 (Josh Cooley, 2019), em que percebemos que, com o passar do tempo, as coisas na vida mudam, os desejos também, e que está tudo bem.
A personagem de Chihiro em A viagem de Chihiro (Hayao Miyazaki, 2001) também pode ser um bom exemplo para compreendermos as dificuldades de crescer. Chihiro vive uma jornada em que ela precisa encontrar seus pais dentro de um universo repleto de espíritos, que às vezes agem de forma dúbia, não sabendo se são bons ou maus, mas que, aos poucos, vão se mostrando como um caminho para que ela própria consiga encontrar a solução dos desafios da vida. Afinal de contas, a adolescência não serve como o momento em que começamos a entender que nem todo desconhecido é o lobo mau?
A adolescência é também uma fase em que os pais ganham outra dimensão na nossa vida. O filme de terror A sombra do pai (Gabriela Amaral Almeida, 2018) de certa maneira trabalha essa dimensão em que começamos a entender que as figuras do pai e da mãe passam por um período de transição, sobretudo na questão da autoridade. A personagem de Dalva (Nina Medeiros), uma criança que perdeu a mãe há alguns anos, precisa lidar com um pai que não soube superar o luto porque não se vê capaz de gerenciar um lar, mas que também não sabe existir enquanto figura de amor e cuidado. Dalva, apesar de criança, é colocada em uma realidade dura e cruel em que precisa, sozinha, compreender o que é a perda e saber a partir daí o que precisa fazer para sobreviver.
Aliás, em se tratando de filme de terror e adolescência não podemos esquecer do clássico A hora do pesadelo (Wes Craven, 1984), em que jovens são atormentados durante os sonhos pela figura de Freddy Krueger. A ideia é simples: Freddy quer se vingar das pessoas que o assassinaram, matando seus filhos. Em um momento do filme, os pais de Nancy Thompson (Heather Langenkamp) resolvem colocar grades na casa e aprisionar Nancy, acreditando que o perigo está lá fora. Mas mal compreendem que o perigo na verdade vem de dentro, já que é o passado deles que está atormentando a própria filha. O que é Freddy senão a repressão dos pais diante daqueles jovens?
A adolescência é também o momento em que vamos entrar em contato com a nossa sexualidade pela primeira vez. Vamos descobrir o que queremos e vamos tentar nos satisfazer de alguma forma. Podemos pensar na sequência de A hora do pesadelo com o A hora do pesadelo 2: a vingança de Freddy (Jack Sholder, 1985), em que Jesse Walsh (Mark Patton) acaba questionando seu desejo por outros homens sem se dar conta e acaba se reprimindo a partir do momento em que é possuído por Freddy. Ele mata todos os homens que possivelmente desejou. Hoje em dia o filme é considerado um filme queer, uma vez que discute bastante a questão da sexualidade e da repressão.
Mas podemos pensar em filmes mais abertos ao tema, como Com amor, Simon (Greg Berlanti, 2018), sobre as descobertas iniciais de Simon, um garoto que se apaixona por outro a partir de mensagens on-line. Simon precisa aprender a gerar esse sentimento com as expectativas e a aceitação dos outros, algo mais complexo no meio de uma fase que, como vimos, não é nada simples. Ou também o personagem de Chiron, de Moonlight (Barry Jenkins, 2016), que também passa por diversos processos de descoberta sexual, mas também de descoberta social, assim como os personagens de Cidade de Deus (Fernando Meirelles, Kátia Lund, 2002).
Ao dizer “eu sou infinito”, Charlie queria expressar como ele se sentia naquele momento. Ao ter amigos que o entendiam, ao ter um lugar no mundo que o fazia se sentir bem com o que ele era. Porém, é na adolescência que vamos ter contato com as primeiras coisas que vão nos formar enquanto adulto: as frustrações, os amores, a realidade, os problemas. É também a fase que precisamos deixar o universo imaginário da infância, para entrar no mundo real, é um momento de crise, como define o psicanalista Erik H. Erikson. Não uma crise no sentido negativo, mas uma mudança de perspectiva, uma nova forma de encarar o mundo, e por isso tão complexo. Apesar de tudo, precisamos continuar a buscar o sentimento de se sentir infinito, afinal de contas é ele que nos impulsiona a querer continuar. Mesmo sendo adultos.
Texto: Caio Narezzi (doutorando em estudos cinematográficos pela Université Lumière Lyon 2 e pela Université de Montréal, colabora mensalmente com o site do Centro Cultural São Paulo)
Revisão: Paulo Vinício de Brito
Ilustração: Beatriz Simões
*Publicado em: 26 de julho de 2019