Por  Camila Martins* | Redação CCSP | 

01/12/2025

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Essa entrevista faz parte de uma série de produções realizadas pelo Centro Cultural São Paulo em comemoração ao Dia da Consciência Negra. Mark van Loo, curador de Dança no CCSP há 4 anos, encerra o ciclo de exibições das entrevistas realizadas na íntegra com os nossos funcionários.

Qual a sua trajetória até chegar aqui no CCSP?

Bom, eu sou profissional em educação física de formação. Com muitos anos de trabalho dentro da área de treinamento e dança. E, há mais de 30 anos, fundei a minha companhia, a Bombelêla Dance Company. Em 2021, eu assumi o cargo aqui de curador de dança do CCSP.

Nesses anos, você pode falar pra gente alguns projetos que você já desenvolveu e desenvolve aqui no CCSP? 

Ao longo desses 4 anos e meio, são muitos projetos. A gente tem uma curadoria que nós chamamos de Curadoria de Dança Horizontal, com núcleos que atendem a essa ampla diversidade de pessoas que frequentam o Centro Cultural São Paulo, como o espaço público dos mais potentes da cidade. Temos projetos voltados para as pessoas idosas, projetos voltados para jovens, adultos e pessoas com deficiências. Dentro de 4 categorias de eventos: festivais de dança, espetáculos de dança, workshops de dança e bailes. E, por meio dessas núcleos, a gente consegue atender essa ampla diversidade que frequenta aqui, inclusive, nesse movimento orgânico do CCSP. 

Uma lembrança boa que você tem aqui.

São muitas lembranças boas, desde a realização das edições do ano passado e desse ano do Abril pra Dança, que foram muito potentes. Esse ano, por exemplo, em 2025, trouxemos 10 espetáculos. Os grandes festivais de dança que nós realizamos aqui nessa sala, a Sala Adoniran Barbosa, com o Festival Ballroom, Festival de Tango, os bailes, por exemplo, aqui no mês de novembro, o baile Samba Rock DJ’s Dance, Hip Hop DJ’s Dance, esses eventos todos trazem grandes lembranças. E, também, as grandes companhias que passaram e passam por aqui, os grandes artistas, tudo isso traz ótimas lembranças que vão ficar no coração meu, claro, e do público que frequenta e costuma vir aqui assistir os espetáculos no CCSP.

Lembrando que nós estamos no mês da consciência negra, gostaria de saber, vindo de você, qual a importância da gente, como um dos maiores centros culturais da América Latina, divulgar a arte negra?

Eu acho que a gente presta um grande serviço pra sociedade, mandando, principalmente e preferencialmente, uma mensagem de paz. Porque, apesar de tanta violência, apesar de tanto derramamento de sangue, apesar de tantas atrocidades e tantas narrativas erradas, tanta desinformação, a gente tem feito um trabalho de levar alegria para o público, de levar cultura, cultura que são muitas coisas, a culinária, o comportamento, a música, a dança, a atitude. Os eventos do CCSP, especialmente nesse mês, mas não só nesse mês, ao longo de todo o ano, vem mostrar a cultura negra, a cultura afro-brasileira como potência, como verdade, como alegria, e principalmente com amor, que é a única forma de a gente resolver as questões do mundo, levando boas mensagens, levando paz, levando uma possibilidade de liberdade de expressão e de amor à sua própria identidade, à nossa identidade negra.

Eu gostaria de saber um pouco como e quando você se entendeu como pessoa negra e qual a importância disso para você realizar esse trabalho aqui. 

Eu me entendo como pessoa negra desde mais tênue da idade, desde criança, porque eu venho de uma família muito musical, do samba, do funk James Brown, dos bairros de lona da periferia, onde minha família toda já dançava samba rock, já dançava o charme, os cabelos Black Power, as calças bocas de sino, tudo isso sempre esteve no meu horizonte, sempre esteve perto de mim e foi dentro desse contexto que eu fui criado. Então, sempre me entendi como uma criança, depois um jovem e hoje, claro, um adulto negro. Mas claro que algumas questões sociais a gente só percebe com um pouco mais de maturidade, com um pouco mais de poder de leitura e de letramento. Então, eu tive a sorte de crescer numa família e dentro de um ambiente que a própria identidade era muito valorizada como identidade negra.

O que você acha que é o dia da consciência negra, o que isso representa para você?

O dia da consciência negra para mim é o dia de reapropriação da nossa beleza, da nossa potência, da nossa liberdade de ser quem e como e quando nós quisermos ser e de dizer para todo mundo que a maneira como as coisas foram feitas, como foram construídas e como foram narradas não foi a maneira correta, não foi a verdade. E hoje nós estamos recontando essa história sobre o prisma da nossa própria leitura como povo negro, como povo potente, como povo inteligente, como povo que deu grande contribuição para a construção da sociedade não só brasileira, mas do mundo todo como é hoje, por conta da diáspora africana ao redor do mundo. Então, é um dia de reflexão, mas principalmente de alegria para nós por ser um momento em que nós conseguimos dizer ótimo, estamos aqui e agora nós vamos decidir como as coisas vão ser ditas, como as coisas vão ser contadas. 

Além desse momento de celebração, de existência, a gente tem também essa dificuldade em ser quem é nessa sociedade tendo em vista o racismo estrutural, esse contexto brasileiro que a gente tem aqui e como você vê a função que você desempenha chegando no lugar em que muitos não chegam?

Essa coisa de chegar a um lugar onde muitos não chegam é por conta de como a sociedade foi construída de maneira excludente. Não faz muito tempo, era muito difícil para pessoas negras conseguirem estudar, ainda é.  Para crianças e jovens negros possuir uma formação acadêmica  até de um curso livre é difícil, são muitas as demandas. Chegar aqui mostra que o caminho é possível, mas só chegar aqui não basta, tem que ter mais oportunidades, possibilidades, parcerias e projetos que facilitem esse acesso para meninos e principalmente meninas negras para que a gente possa reparar todas essas mazelas que foram impostas às pessoas da população negra, que hoje é a maioria da população. Foi feito todo um processo e um projeto eugenista para que isso não acontecesse, mas acabou dando errado, então se hoje a população negra é a maioria da população brasileira ela precisa estar também ocupando os cargos de poder, os espaços de decisão seja no âmbito político, seja no âmbito corporativo, seja em todas as esferas da sociedade tem que minimamente traduzir esse extrato social de maioria de população negra no Brasil. 

Por último, sendo uma pessoa que vive cultura, eu gostaria que você indicasse para a gente uma pessoa, uma inspiração negra que você poderia dar como fonte para o público.

Nossa, inspiração são muitas, mas eu vou ficar com o grande geógrafo e professor, mestre Milton Santos, por conta de todas as barreiras que ele venceu para se colocar nesse lugar de grande intelectual, mas para nós um intelectual negro que trouxe grande contribuição para os entendimentos da geografia e da sociologia e das questões raciais implícitas na sociedade por meio da sua obra. Então Milton Santos é uma grande referência, não é a única, mas eu citaria ele nesse momento. 

Descubra como esse feriado surgiu e outras referências intelectuais sobre a história do povo negro (clique no link) . Acompanhe outras entrevistas, com Maria Luiza Menezes (clique no link) e com Edmarcio Silva (clique no link).

 

*Sob supervisão de Felipe Cartier e Alexandre César