Desde o fim dos anos 1980, a cultura hip hop, incluindo alguns de seus principais pilares como o rap (sigla para Rhythm and Poetry), o breakdance e o beatbox, estão presentes no cenário da capital paulista e nos principais espaços de cultura e convivência da cidade. No Centro Cultural São Paulo, por exemplo, são promovidos encontros, oficinas e batalhas de beatbox que acolhem e difundem esse movimento.
Em tradução livre, o termo “hip hop” significa movimento de dança atual. Em seu início, contudo, esta prática estava socialmente estigmatizada como restrita à comunidade afro-americana e, portanto, marginalizada e cercada por preconceitos. Apenas quando grupos formados por integrantes brancos, como House of Pain ou Beastie Boys, começaram a despontar na cena musical do fim do século XX, o hip hop passou a se consagrar como um estilo (de música, dança e atitude) próprio.
De lá para cá, no entanto, com a evolução da tecnologia e dos meios de comunicação em geral – em especial a internet e seu fluxo absurdo de informações e dados –, as produções artísticas se intensificaram e ao mesmo tempo se dispersaram, possibilitando o acesso à cultura a um número maior de pessoas, que, por sua vez, possuem mais opções que se aproximam de seus gostos particulares.
Assim, se o volume de informação com que entramos em contato aumentou nos últimos anos, isto se reflete no entretenimento e na arte que consumimos. Por isso, dentre outros fatores, não apenas no Brasil como em todo o mundo, o rap tem sido o principal estilo de música produzido e consumido por gerações mais jovens atualmente.
Entre fevereiro e setembro de 2018, por exemplo, apenas músicas do gênero alcançaram o topo da parada da Billboard, com destaque para artistas como Drake, Post Malone e Cardi B, que viram suas músicas explodirem em procuras no YouTube, Spotify e Google, impulsionando também as vendas de seus álbuns físicos, lançados na mesma época.
No âmbito nacional, o surgimento de grupos isolados em diferentes partes do país também tem se intensificado com o passar dos anos. Rappers como Marcelo D2, Edi Rock e mais recentemente Projota, RAPadura, Emicida, Criolo e Baco Exú do Blues se consolidaram por meio de trabalhos com versos políticos e batidas ecléticas, colaborando com cantores de outros gêneros como a MPB e o pop e misturando ritmos contemporâneos com samples de canções já consagradas no Brasil.
De acordo com o sistema Nielsen Music, que registra as vendas de músicas e vídeos em dois dos maiores mercados consumidores de entretenimento do mundo (Estados Unidos e Canadá), o hip hop é responsável por mais de 30% do mercado da música atual, com tendências a crescer nos próximos anos.
A rapidez e a assertividade das letras, o peso e a força de batidas agitadas e o discurso produzido por artistas que emergiram de uma realidade periférica e menos favorecida contribuem para a proeminência de pessoas que anteriormente, na história da música, não tinham acesso à mesma visibilidade.
Se estilos como o jazz e o R&B (Rhythm and Blues) foram responsáveis por posicionar a cultura negra na sociedade ocidental entre os anos 50 e 70, o rap amplia, desde então, as condições que os estilos anteriores deixaram como legado, questionando a sociedade e suas contradições de forma mais enérgica e incisiva e sobrepondo discursos periféricos aos da elite.
Ao contrário do rock, em alta durante a contracultura, a estética do choque não se dá mais por segmentos psicodélicos, vocais rasgados e guitarras onipresentes. O destaque agora fica por conta da força da palavra. A ascensão de pessoas que cresceram em condições de vida precárias, a manifestação cada vez mais explícita da sexualidade e a inclusão de diversos grupos sociais que interagem em um mesmo contexto fortalecem o discurso do rap.
Para além do rap, outros elementos como o beatbox e o breakdance também são pilares essenciais no desenvolvimento do hip hop no Brasil e no mundo. Ambos encontram espaço no Centro Cultural São Paulo e reúnem frequentadores toda semana com o objetivo de aperfeiçoar as habilidades nessas duas práticas de canto e de dança, respectivamente. De forma espontânea, grupos de breakdance ocupam os corredores do CCSP há muito anos, tendo participado de ações organizadas pela programação oficial da instituição.
Já em relação ao beatbox, são oferecidas oficinas, que acontecem no CCSP desde 2015, comandadas por Thiago Mautari. Para ele, a semelhança com o canto está no uso do único instrumento musical que todos possuem – a boca –, sendo que a diferença encontra-se na quantidade de “ataques” (movimento, na percussão, que determina o tempo que um som demora a atingir a sua intensidade máxima).
Com o objetivo principal de escrever e dizer as próprias rimas, a prática músico-corporal do beatbox surge em um contexto em que os compositores de rimas não tinham orçamento necessário para fazer a própria batida. Assim, elaborar os sons de acompanhamento com a boca torna-se a opção mais fácil, barata e orgânica possível dentro desse contexto. Exercida no Brasil desde 2012, a prática se popularizou atualmente, chegando até mesmo a se desvincular, em alguns casos, da cultura hip hop e transitar por outros ritmos musicais, do forró ao samba. No que concerne aos benefícios ao desenvolvimento de corpo e mente, destacam-se o treino de coordenação motora, de ritmo, de melodia, entre outros aspectos cognitivos motivados pelo estudo e treino da música.
Segundo Mautari, o papel do CCSP foi importante para a difusão da prática porque “deu início a algo que ainda não existia no âmbito nacional e o poder de engajamento que esta iniciativa tem é absurdo. Conseguimos estabelecer um treino fixo e reunir muitas pessoas por conta disso, inclusive algumas pessoas que ainda não conheciam o CCSP”.
+Para saber mais:
Dados da gravadora Nielsen Music
Parada da Billboard Hot 100 (singles nos EUA – atualizada)
Movimento Hip Hop e narradores urbanos
Blog Cultura de Rua: o que é beatbox
Texto: João Vitor Guimarães
Colaboração: Thiago Mautari
Ilustração: Beatriz Vecchia
Publicado em: 21 de novembro de 2018.