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Entrevistas

A Cia dos Solilóquios, em cartaz no CCSP, fala sobre as possibilidades e desafios do teatro jovem. 

Em entrevista concedida ao CCSP, Weslley Nascimento e Bruna Vilaça, integrantes da Cia dos Solilóquios, falaram sobre seu novo espetáculo que estará em cartaz durante o mês de outubro na instituição: “Doa-se um sofá verde menta”.  Além disso, os artistas também discorreram sobre a criação e pesquisa do grupo, bem como a cena de teatro jovem contemporânea e a importância dessa linguagem, feita por jovens e para os jovens, na formação de um público teatral mais plural e diverso. 

Tessi Ferreia

CENTRO CULTURAL SÃO PAULO

Oi, gente! Vocês poderiam contar um pouquinho da história do grupo? Como a Solilóquios surgiu? 

Weslley Nascimento

ENTREVISTADO

A Solilóquios surgiu na verdade em 2019, pois foi quando começamos com a pesquisa de teatro jovem, com o espetáculo “Café”. Só que eu e a Bruna já vínhamos trabalhando juntos desde quando nos conhecemos, que foi lá em 2012, em Osasco, em uma oficina de teatro. De 2012 até agora, a gente se encontrou, existe muita afinidade com as linguagens que gostamos de trabalhar, tanto no teatro quanto no cinema. Um momento importante para a consolidação do grupo foi a estreia aqui no CCSP, com “Café”, que é um espetáculo voltado para o público jovem, porque percebemos que desde quando começamos a frequentar o teatro, tem uma lacuna muito grande: tem teatro infantil e teatro adulto, e o teatro jovem tem uma lacuna. É muito difícil você achar grupos e espetáculos com esse propósito. Quando assistimos espetáculos voltados pra essa linguagem eram peças em que o jovem era retratado de uma forma muito caricata. E nós, enquanto jovens, assistíamos e falávamos “isso não me representa”, sabe? Não retrata das minhas questões. Então começamos a colocar as nossas questões numa dramaturgia, numa história e ver o que que rolava, o que acontecia. Foi aí que a gente começou. 

Além disso, falar sobre afetividade no teatro parece que é uma coisa muito passada e batida. Às vezes olham até estranho, nossa, mas é um grupo que trabalha teatro de romance? Tem tantas outras coisas relevantes para serem retratadas, sendo que é super relevante falar disso, ainda mais pro jovem que tem todas essas questões super acentuadas.

Bruna Vilaça

ENTREVISTADA

Eu acho que quando olhamos para arte vemos o amor no cinema, na música… E quando é teatro nós pensamos “putz, não pode falar sobre amor, isso não é legal, isso é raso”, sendo que é uma coisa que todo mundo sente, todo mundo se identifica. E por mais que seja teatro jovem, às vezes a galera vai com mãe, vai com pai e fica super emocionado e nós pensamos “é isso, é o que a gente gosta de falar, pra nós isso toca”. 

Tessi Ferreia

CENTRO CULTURAL SÃO PAULO

Aproveitando a deixa, atualmente, qual é a pesquisa do grupo do ponto de vista narrativo e estético? O que interessa pra vocês pesquisarem e encenarem? 

Bruna Vilaça

ENTREVISTADA

Eu acho que teatro de romance, falar sobre afetividade, essa foi a pesquisa inicial. Acho que em “Café” batemos muito o pé nesse lance do solilóquio, então foi uma coisa que veio muito de nós. Mas no segundo espetáculo, “Doa-se”, nós já trabalhamos muito mais com o que vinha de fora… Em 2020 fizemos um trabalho com o CCSP, era um projeto audiovisual em que o grupo abriu um chamamento pros jovens do Brasil inteiro pedindo histórias de amor. E essas histórias foram usadas, só que eram muitas, então isso acabou ficando como se fosse um “arsenalzinho” nosso, e eu acho que a pesquisa do grupo atualmente está neste lugar de receber essas doações da galera e de entender como eles estão amando, como eles vêem o amor hoje em dia, passando pela gente como jovens contemporâneos, e aí colocando pro mundo. 

Weslley Nascimento

ENTREVISTADO

E do ponto de vista estético, bebemos muito de um teatro contemporâneo. Nós enquanto jovens, é o que nos agrada, e é também uma questão que dialoga com o próprio jovem das gerações atuais. Se pararmos pra ver, tanto o “Doa-se” quanto o “Café” têm uma duração que pro teatro é consideravelmente curta, são peças de 50 a 60 minutos, só que pra essa geração, é muito tempo numa sala de teatro. Mas como não estamos fazendo teatro para um público de teatro, que já está habituado com a linguagem, e sim para o jovem, que é o público que tentamos atrair, nós sempre buscamos estar atentos ao que essas pessoas estão consumindo.

Bruna Vilaça

ENTREVISTADA

Uma coisa que trazemos na estética e que é um pensamento nosso é não subestimar a juventude. Não é porque são jovens que tem que ser mastigado, os cenários, por exemplo, são coisas que poderiam ser tudo, e vai da interpretação da pessoa… Isso planta uma sementinha, sabe? Faz a galera querer entender.

Tessi Ferreia

CENTRO CULTURAL SÃO PAULO

É quase um convite para um tempo de assimilação do jovem, certo? Não precisa assimilar tudo imediatamente. E isso é muito legal porque os jovens dessas novas gerações têm outros signos, outras metáforas, outros códigos, como que isso é interpretado e colocado em cena, né? Puxando o gancho, vocês podem nos contar um pouco sobre como foi o processo de concepção de “Doa-se um sofá verde menta”? 

Weslley Nascimento

ENTREVISTADO

O “Doa-se” foi um processo que começou no ano passado, na pandemia, não tinha vacina, mas tínhamos um projeto para cumprir. Era uma coisa muito bizarra porque montando as cenas havia um medo de se tocar, de estar perto, então, enfim, estreamos numa espécie de ensaio aberto, porque sabíamos que não era uma coisa que estava pronta e que não tinha ficado da forma que a gente queria. Aí surgiu a vontade de retomar esse processo e fazer dele o que nós queríamos que o outro tivesse sido, então voltamos pra sala de ensaio com a diretora, que é a Mayara Constantino. E foi um processo muito conjunto, ao mesmo tempo em que construíamos algumas cenas, tinha o Henrique que chegava com uma proposta de trilha, tinha o Rafael que chegava com uma proposta de luz, o figurino foi se desenrolando também no decorrer do processo…

Tessi Ferreia

CENTRO CULTURAL SÃO PAULO

Se vocês tivessem que definir, não de maneira técnica, mas de maneira muito pessoal, o que é o “Doa-se um sofá verde menta” pra vocês, o que diriam? Olhando de fora e enxergando vocês mesmos dentro da peça… 

Weslley Nascimento

ENTREVISTADO

Pra mim, no meu íntimo, acho que acima de tudo ele fala sobre amor, sobre amores que já foram e sobre posteridade. 

Bruna Vilaça

ENTREVISTADA

Pra mim ele fala sobre amores eternos que não são tão eternos assim, mas que tudo bem. Começamos a peça falando três dedicatórias que são reais, e uma delas é do meu pai que deu uma foto pra minha mãe. Eles não são mais casados, têm três filhos, uma relação ótima e são muito amigos, e tudo bem. Era um amor que ali na dedicatória era eterno, e que não foi, mas foi outro tipo de amor, e tá tudo bem. 

Tessi Ferreia

CENTRO CULTURAL SÃO PAULO

O espetáculo nos traz referências cotidianas e de situações que a maioria de nós já vivenciamos. Isso foi intencional? Vocês acham que isso aproxima o público jovem do teatro? 

Bruna Vilaça

ENTREVISTADA

Acho que o jeito da direção e como nós, ali no processo, escolhemos fazer as coisas, de falar mesmo, olho no olho, acaba aproximando bastante, por mais que sejam experiências específicas de cada um, não tem como você não relacionar  com o seu momento presente ou com algo que você já passou. Quando falamos do Tinder, por mais que você nem tenha usado o Tinder, você sabe. 

Tessi Ferreia

CENTRO CULTURAL SÃO PAULO

Você tem essa referência…

Bruna Vilaça

ENTREVISTADA

Isso, isso, você entende se eu falar “ah, é um amor Tinder”, você nem precisa ter vivido isso, mas sabe o que significa, então acho que isso ajuda a mensagem a atravessar o público. 

Weslley Nascimento

ENTREVISTADO

Uma coisa que sempre comentávamos, quando o espetáculo acabava e as pessoas vinham conversar conosco falando “nossa eu passei tal coisa parecida”, é que as histórias românticas são realmente muito parecidas, as únicas coisas que mudam são os destinatários. 

Tessi Ferreia

CENTRO CULTURAL SÃO PAULO

Os signos dentro do espetáculo ficam abertos pras pessoas colocarem as suas próprias metáforas, seus próprios objetos. E há na narrativa essa metáfora das pessoas como objetos, vocês poderiam falar sobre isso?

Bruna Vilaça

ENTREVISTADA

Às vezes acabamos nos relacionando romanticamente dessa forma: é como se fosse uma coisa que desejamos muito, aí conseguimos e é útil por um tempo e depois passamos a querer outra coisa. O jeito que lidamos com o fim de relações depende muito do momento, e tá tudo bem doar no final, sabe? Aquilo te servir e depois não mais. É um processo, e tá tudo certo entendermos isso. 

Weslley Nascimento

ENTREVISTADO

Às vezes é isso, é o lance de você dar pra outra coisa poder chegar. É você se esvaziar para conseguir se preencher de outras coisas também. 

Tessi Ferreia

CENTRO CULTURAL SÃO PAULO

Como vocês pensam e enxergam a cena do teatro jovem atualmente, pelo menos em São Paulo? 

Weslley Nascimento

ENTREVISTADO

Acho que comparado ao teatro adulto e ao teatro infantil, o teatro jovem é um…  

Bruna Vilaça

ENTREVISTADA

Um nichinho, né?

Weslley Nascimento

ENTREVISTADO

É literalmente um nicho, são pouquíssimos os grupos que fazem teatro para os jovens. Tem, só que teatro jovem feito por jovens é muito raro, muito raro mesmo. Enfim, eu identifico isso como uma falta de estímulo. Se formos ver os equipamentos culturais, o CCSP é uma raridade por ter uma curadoria para infância e juventude. É uma linguagem que não é muito feita porque não tem espaço para que ela seja feita. 

Bruna Vilaça

ENTREVISTADA

E aí também não cria público…

Tessi Ferreia

CENTRO CULTURAL SÃO PAULO

Vira um ciclo… 

Weslley Nascimento

ENTREVISTADO

Isso. A abordagem que fazemos no espetáculo é específica para um público, às vezes uma galera de 40, 50 anos não vai se identificar, aí falam “nossa é muito jovem”, e que bom, porque é o público que nós estamos mirando. Só que é isso, acho que faltam gestões nos equipamentos culturais para abraçarem esse tipo de projeto, para começar a ter uma formação de novas plateias, de pessoas jovens. 

Bruna Vilaça

ENTREVISTADA

Vemos o quanto isso é importante, sabe? Estamos dando uma oficina para uma galera de 16 a 20, no máximo, e é um projeto em que eles constroem o próprio texto pra apresentar em um sarau depois, e você vê o brilho no olho da galera. E eu lembro que quando eu tinha de 16 a 20, o quanto eu queria ser ouvida pelas coisas que eu queria falar, e não tinha espaço pra isso. 

Tessi Ferreia

CENTRO CULTURAL SÃO PAULO

Vocês poderiam falar um pouco sobre como foi a trajetória de vocês com o CCSP?

Weslley Nascimento

ENTREVISTADO

Eu frequento o CCSP desde os meus 16 anos, eu e a Bruna. Quando descobrimos a cena teatral, o espaço mais comum de se consumir, pelo menos naquela época, era o CCSP. Todo mundo falava “ah, vai lá pra Vergueiro que sempre tem muitos espetáculos”. Então eu vim pra cá pra desbravar e me deparei com esse espaço enorme, que não tem só teatro, mas que tem cinema, biblioteca, exposição. Fiquei chocado, porque eu não sabia da existência de um espaço assim, eu era de Osasco e só frequentava os espaços de lá… Pra mim, cultura e espaços culturais se resumiam a escola de artes (de Osasco). Então comecei a consumir muito a programação do CCSP, e eu acho que por consumir muito, você acaba ficando “caramba, quero um dia apresentar lá… quero ter essa vivência”, que é estar com um projeto no CCSP. É um equipamento cultural de muita importância, importância histórica, no Brasil, não só em São Paulo. 

Então apresentamos a proposta do espetáculo “Café” e a Lizette nos chamou para conversar e acabou pautando o projeto. Fizemos nossa estreia na programação de teatro jovem! 

Também produzimos uma websérie durante a pandemia. Propusemos um projeto audiovisual e abrimos um chamamento para que jovens de todo o Brasil mandassem histórias de amor, e essas histórias foram roteirizadas por Bruna Vilaça. Ficou em cartaz como se fosse a temporada de um espetáculo, e então saiu do ar. No ano seguinte, quando o CCSP estava voltando à programação presencial, fomos convidados para fazer um outro projeto, que era uma oficina de teatro. E nessa época tínhamos produzido um filme que é basicamente a websérie reformulada. Então fizemos essa proposta “e se a gente fizer uma ocupação no CCSP?”, que consistia nessas atividades artísticas, como a oficina, e também nesse filme que é voltado para o teatro jovem. Então juntaram-se a curadoria de cinema e de teatro e abraçaram o projeto. 

Agora estamos voltando, com o “Doa-se um sofá verde menta”, porque aqui é um espaço que acolhe e abraça as propostas para os jovens. 

Notas: 

  1. Solilóquio: monólogo, técnica teatral em que o personagem fala para si próprio. 

Entrevista e edição: Tessi Ferreira
Revisão: Isabela Pretti e Paloma Santiago 
Entrevistados: Weslley Nascimento e Bruna Vilaça 

Fotos: Rayssa Zago

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