Por Camila Martins* | Redação CCSP | Fotos: Reprodução
20/11/2025
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“Celebrar a consciência negra é lembrar quem somos, de onde viemos e o que significa sermos um país de maioria negra, respeitando e promovendo a diversidade e a valorização de todos os brasileiros e brasileiras”, afirmou, Anielle Franco, durante o festejo do mês da Consciência Negra em Brasília em 2024.
Um ano depois, o chamado para reflexão da identidade brasileira é pela segunda vez feriado nacional com a sanção da lei 14.759/2023, devido a grande mobilização de movimentos sociais e políticos contra uma pauta que é antiga, porém necessária, pois padece e gera ainda grandes impactos na sociedade.
Em 1971, um grupo de jovens negros reunidos em Porto Alegre pesquisavam sobre seus antepassados e 13 de maio, data da abolição da escravatura instituida pela Lei Áurea de 1988. Assim nascia o Grupo Palmares, voltado ao estudo da história e cultura afro-brasileira, que mais tarde, ao lado de outros grupos, fomentaria à formação de um movimento negro de caráter nacional. Trinta e dois anos depois, a mesma linhagem de estudos da organização é, por meio de um projeto de lei, obrigatório em escolas de todo país.
As idealizações progridem e é em 2011, que a então presidenta Dilma Rousseff oficializa o Dia da Consciência Negra. A escolha da data surge a partir do emblemático dia 20 de Novembro, marco da morte de Zumbi, líder revolucionário do Quilombo dos Palmares contra a escravidão no Nordeste, e marca a celebração da cultura e existência das pessoas negras. Um momento, principalmente, para relembrar a luta diária contra o racismo e a desigualdade racial.
Nesse sentido, o Centro Cultural São Paulo busca a reflexão incessante das estruturas sociais construídas e por meio dessa destaca a celebração e luta como fontes para reflexão:
Celebração: diversidade, potência e resistência
A Cultura Negra no Brasil está em todos os lugares e escancara resistência e potência de um povo moldado em sua constituição pela força das raízes afro-brasileiras. Está presente na “muvuca” das celebrações, no “samba” e molejo de cintura, no “dendê” da culinária inconfundível, no “dengo” dos afetos, no “axé” do sincretismo e fé do brasileiro e inclusive no mais ordinário cotidiano oral do chamado “Pretuguês”, linguagem decolonial da língua portuguesa que se distancia do falar europeu. No entanto, apesar de disseminadas e vendidas como produto cultural, a mesma é alvo de críticas, invalidações e marginalização. É o caso do blues, do samba, do funk e muitas outras potências artísticas essencialmente negras e segregadas.
É a partir deste ponto em que retratação artística e expressão como produção de resistência e o legado político torna-se essencial. Quem conta a própria história resiste a apagamentos, rompe paradigmas e silenciamentos. Grande exemplo dessa ruptura pela “escrevivência” – conceito intelectual de Conceição Evaristo acerca da dignidade individual do sujeito e sua reflexão coletiva – é Carolina Maria de Jesus, uma das primeiras escritoras negras a obter reconhecimento nacional e internacional pela produção de sua literatura. A dona do best-seller “Quarto de Despejo” abriu caminhos para muitos ao vencer, por meio da intelectualidade permeada entre as pessoas pretas e periféricas, apesar de invisibilizadas e julgadas como inexistentes.
Ao acompanhar seu tempo, a comunicação e a cultura, portanto, perpassam aspectos sociais e os transformam. Como equipamento público a serviço da população, o Centro Cultural São Paulo elege-se como uma ferramenta para celebração e exibição de obras como estas, assim como a exibição de muitas outras que já passaram e passam por aqui, a fim de promover a diferença na vida das pessoas por meio da educação e cultura. Diferença esta que promove a tolerância, do respeito e do letramento racial, ao ampliar a visão de mundo de seu público e possibilitar novas oportunidades e caminhos a trilhar.
É o caso de programações variadas como: “Clube de Leitura do Rap: Intervenções e Poéticas”, “Entre Peles e Memórias”, “O Avesso da Pele”, “Slam Protagonista”. E da aparição de ilustres artistas como Urias, Arlindo Cruz, Lin da Quebrada, Urias,Mc Dricka, Liniker, Chico César, Leci Brandão, Thaíde, Tasha e Tracie, Toni Garrido que exaltam a (resist)existência e poder de entender-se negro.
Para além da diferença gerada no público, essa força também irradia no trabalho de quem a cada dia constrói e possibilita a difusão de conhecimento em um dos maiores Centros Culturais da América Latina. É o que discutiram Dandara Almeida, Maria Evangelista, Priscila Cardoso e Veruska Albertina em episódios para o podcast Rádio CCSP (os quais você pode conferir acessando as referências bibliográficas do texto). Neles, as integrantes da equipe relatam ao projeto “Feminismos em Fricção” a estabilidade do serviço público como alternativa ao trabalho e racismo sistemático presente nos setores privados, além de refúgios psicológicos na arte.
“Eu tive que aprender a desenvolver mecanismos para me proteger, né? Para filtrar essa questão negativa, a opinião dos outros, para não ficar doente mentalmente. Eu busquei e busco ainda refúgio na oração, na fé em Deus, na música, na leitura de bons livros.”- declarou Maria Evangelista, servidora há quase 30 anos no CCSP.
Mas afinal que é ser negro? Ou melhor, o que é ser negro no Brasil? O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por exemplo, reafirma esse conceito a partir do agrupamento de pessoas entendidas como pretas, retintas, e pardas, miscigenados, em geral de peles mais claras. Assim como para fins legislativos e jurídicos, a autodeclaração é mandatória e a biologia considera denominações genotípicas e fenotípicas. Contudo, para além de noções isoladas, em entendimentos mais amplos de raça como construção social, teóricos como a socióloga Lélia de Almeida Gonzalez, ícone feminista e antirracista, afirmam a negritude como uma concepção de luta desenvolvida ao longo da vida:
“A gente não nasce negro, a gente se torna negro. É uma conquista dura, cruel e que se desenvolve pela vida da gente afora. Aí entra a questão da identidade que você vai construindo. Essa identidade negra não é uma coisa pronta, acabada. Então, para mim, uma pessoa negra que tem consciência de sua negritude está na luta contra o racismo. As outras são mulatas, marrons, pardos etc.”
Visão defendida também pela psicanalista Neusa Santos Souza na obra disruptiva “Tornar-se negro: Ou As vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social” como uma construção subjetiva.
Força negra no CCSP
Relembrando a dimensão simbólica e plural de um espaço público, a exposição “Ocupação CCSF – Centro Cultural Simões Filho” exposta em 2023 trouxe à tona a diversidade de perspectivas existentes em cada área do CCSP.
Representada por histórias como a de Lizette Negreiros, mulher negra de legado imensurável para o Teatro Infantil que dá hoje nome ao Espaço de leitura Infantil das Bibliotecas, ou de Dandara Almeida, nome da primeira mulher negra a presidir o Centro Cultural São Paulo em sua totalidade os diversos corpos, subjetividades e vivências que fazem deste um local são quem dão voz a esta causa. Fato que demonstra a conquista e evolução de um local que busca evoluir e integrar a diversidade a cada setor. Convidamos, portanto, nossos colaboradores para expressarem suas trajetórias inspiradoras.
Para Mark Van Loo, curador de Dança, desde 2021, e fundador do grupo Bombelêla Dance Company, que teve a tenacidade de sua negritude firmada desde sua infância e raízes músicas familiares, o dia da consciência negra marca a reconstrução da história do povo brasileiro, mas ressalta as dificuldades ainda existentes. “E hoje nós estamos recontando essa história sobre o prisma da nossa própria leitura como povo negro, como povo potente, como povo inteligente, como povo que deu grande contribuição para a construção da sociedade não só brasileira, mas do mundo todo como é hoje, por conta da diáspora africana ao redor do mundo. Então, é um dia de reflexão, mas principalmente de alegria para nós por ser um momento em que nós conseguimos dizer ótimo, estamos aqui e agora nós vamos decidir como as coisas vão ser ditas, como as coisas vão ser contadas.”
Já Maria Luiza Menezes, curadora de artes visuais apesar de exaltar a importância da data e reconhecer a luta do movimento negro para viabilização da causa, ressalta o papel da branquitude para alteração deste cenário: “Consciência negra ela diz muito mais sobre uma necessidade urgência de uma consciência branca da sua responsabilidade atual e contemporânea para dissolução e erradicação do racismo como estrutura da sociedade.” Opinião também defendida por Edmarcio Silva, webdesigner, que defende: “O orgulho de ser negro, a representatividade que todos os negros que sofreram com as separações das suas famílias, com a escravidão, com o sofrimento, na posição que a gente tem hoje, de poder andar, comprar uma roupa, entrar, comer, se alimentar, ir num restaurante, ter voz ativa. “ que aponta esse momento reflexivo como um grande orgulho “de pensar, falar, eu tenho orgulho do meu cabelo, do meu nariz, da minha boca, da minha cor, da minha pele ”.
Luta: racismo, uma batalha diária
Casos de superação e representatividade como os aqui relatados inspiram, porém revelam também a vitória e ascensão social como exceção entre milhares de outras histórias em nosso país. Apesar das conquistas e marcas plurais manifestadas, a reflexão sobre retrocessos de direitos e da desqualificação do povo negro é urgente e parte essencial desta data. A complexidade do assunto abordado remonta intrínsecas raízes da história brasileira e nos demonstra necessidade de mudança definitiva e eficiente.
As obras de Guerreiro ramos e Wilson Barbosa entre outros estudos sociológicos efetivos, por exemplo, escancaram para além do mito da democracia racial as condições de formulação da população brasileira, a marginalização do povo negro e as motivações para o perfil social estabelecido no Brasil até os dias atuais – país que paradoxalmente detém a maior população negra fora da África e a segunda maior do planeta, como pontua a atual ministra Igualdade Racial Anielle Franco.
É nesse sentido que Sueli Carneiro, filósofa, escritora e ativista, teoriza em sua obra “Dispositivo de racialidade: A construção do outro como não ser como fundamento do ser”, o mantimento das relações de poder através de discursos de inferioridade e desumanização de não-brancos, alicerce da hierarquização racial. E observamos, assim, o apagamento sistemático de articulações políticas contrárias à supressão existente. Nas estáticas, negros formam maioria nas de cadeias, nos ínidces de trabalho infantil e de violência e o contrário é visto ao procurar estes corpos no topo de estimativas salariais ou acadêmicas. Olhe para os lados e perceba quem ocupa em que você está? Essa realidade fica exposta aos nossos olhos ao fazer comparativos da ocupação de espaços periféricos e de prestígio. Contudo, com a extensão e permanência do problema, sua relativização e mantimento é banalizada.
As manifestações do racismo não precisam ser encaradas, os comentários ditos como inofensiovos, a estipulação de padrões estéticos inalcançáveis, principalmente sobre mulheres negras, a estereotipação do negro como pobre e sua ligação a pobreza e marginalidade e a hipersexualização, a descrença e desqualificação da mobilidade social de pessoas negras são formas veladas de sua proliferação.
Em termos jurídicos o racismo no Brasil configura-se em dois âmbitos legais distintos:
Essa realidade social e coletiva é, portanto, uma construção e pode ser mudada consequentemente através da educação anti-racista, um dever coletivo e uma ferramenta essencial para esta luta. Bárbara Carine, vencedora do prêmio Jabuti 2024 na categoria comentários demonstra que por meio da noção de identidade, de sua história, raízes e comportamentos é possível que todas as formas de preconceitos sejam atenuadas.
Ideia que é complementada por Mark Van Loo, “Essa coisa de chegar a um lugar onde muitos não chegam é por conta de como a sociedade foi construída de maneira excludente não faz muito tempo, era muito difícil para pessoas negras conseguirem estudar, ainda é […] São muitas as demandas e os obstáculos que uma criança e um jovem negro precisa passar […] Se hoje a população negra é a maioria da população brasileira ela precisa estar também ocupando os cargos de poder, os espaços de decisão seja no âmbito político, seja no âmbito corporativo, seja em todas as esferas da sociedade tem que minimamente traduzir esse extrato social de maioria de população negra no Brasil.” , curador de Dança no Centro Cultural São Paulo.
“E chegar aqui mostra que o caminho é possível, mas só chegar aqui não basta, tem que ter mais oportunidades, tem que ter mais possibilidades, tem que ter mais parcerias, mais projetos que facilitem esse acesso para meninos e principalmente meninas negras para que a gente possa reparar todas essas mazelas que foram impostas”
Iniciativas que tentam alterar essa condição espalham-se por todo território, como exemplificado pelo mapeamento nacional de ações legislativas, acadêmicas e sociais realizado pelo Ministério da Igualdade Racial.
O Centro Cultural São Paulo, não é diferente, reafirma sua posição e lhe convida a aprender conosco, por uma negritude mais consciente de si e uma branquitude crítica! Abaixo, você confere uma série de obras indicadas disponíveis nos acervos do CCSP e da rede de acervos da Prefeitura de São Paulo, as quais aprofundam a causa e “vozificam” aqueles que resistem aos tampões sobrepostos em suas bocas.
Indicações de produções artísticas:
- “Dispositivo de racialidade: A construção do outro como não ser como fundamento do ser” de Sueli Carneiro
- “Quarto de Despejo” de Carolina Maria de Jesus
- “Tornar-se negro: Ou As vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social” de Neusa Santos Souza de 1983
- “Como ser um educador anti racista” de Bárbara Carine;
- “Olhares negros: Raça e representação” de Bell Hooks
- “Negro sou : a questão étnico-racial e o Brasil : ensaios, artigos e outros textos” de Guerreiro Ramos
Indicações de referências negras de nossos funcionários:
Mark Van Loo destaca – Milton Santos, geógrafo e escritor brasileiro
Maria Luiza menezes destaca – Rosana Paulino, artista multimídia, educadora e curadora brasileira
Edmarcio Silva destaca Racionais, grupo icônicode rap
Outros links:
Rádio CCSP:
Feminismos em Fricção | Episódio 1: Entrevista com Dandara Almeida, diretora do CCSP
Feminismos em Fricção | Episódio 2: Roda de Conversa com Maria Evangelista, Priscila Cardoso e Veruska Albertina (parte 1)
Feminismos em Fricção | Episódio 2: Roda de Conversa com Maria Evangelista, Priscila Cardoso e Veruska Albertina (parte 2)
*Sob supervisão de Felipe Cartier e Alexandre César


