“Na minha juventude, eu fui um pouco “noveleiro”. Depois poderíamos tocar as músicas dessa pesquisa para os colegas reviverem esse tempo”
Edson Marçal, Assistente Administrativo de Gestão da Discoteca Oneyda Alvarenga
Você se considera noveleiro(a)?
Entre tantas plataformas de streaming e outras inovações tecnológicas no meio do entretenimento, as novelas fazem parte de uma memória afetiva e brasileira que atravessa gerações! Além de marcarem com cenas icônicas, as músicas também fazem parte dessa memória – afinal, quem nunca ouviu “Modinha para Gabriela” sem lembrar da Juliana Paes atuando no remake da novela Gabriela?
Convidamos Edson Marçal, Assistente Administrativo de Gestão da Discoteca Oneyda Alvarenga, para apresentar um pouco do acervo que o CCSP possui de trilhas de novelas brasileiras. O catálogo da Discoteca é tão diverso que encontramos algumas raridades dentre as trilhas que trazem tanta identificação e reflexão da sociedade brasileira – e, como sempre, todas as músicas que mencionadas a seguir estão disponíveis para serem ouvidas nas vitrolas da nossa Discoteca!

- “Pecado Capital” de Paulinho da Viola
Se você encontrasse uma mala cheia de dinheiro no seu carro de táxi, o que você faria? Esse é o ponto inicial da telenovela “Pecado Capital” (1975-1976), que teve os personagens Carlão (Francisco Cuoco) e Lucinha (Betty Faria) conduzindo a trama principal. O sucesso da 16ª “novela das oito” da emissora Globo se deve a uma combinação de drama e humor, além dos encaixes ideais das músicas nas cenas.
Para compor a trilha sonora e trazer mais autenticidade para a obra, o compositor Paulinho da Viola criou a música de abertura a partir de um curta sinopse enviada ao artista. A trilha faz parte do álbum “Paulinho da Viola” (1975), o sétimo disco do sambista carioca. Assim como a telenovela, a música faz uma crítica social que alerta sobre a busca incessante pela riqueza e a importância de não esquecer os valores humanos e as relações pessoais:
Dinheiro na mão é vendaval
É vendaval
Na vida de um sonhador
De um sonhador
Quanta gente aí se engana
E cai da cama
Com toda a ilusão que sonhou
E a grandeza se desfaz
Quando a solidão é mais
Alguém já falou
Mas é preciso viver
E viver não é brincadeira não
Quando o jeito é se virar
Cada um trata de si
Irmão desconhece irmão
E aí dinheiro na mão é vendaval
Dinheiro na mão é solução
E solidão
Dinheiro na mão é vendaval
Dinheiro na mão é solução
E solidão

“Pavão Misterioso” de Ednardo
Além de ouvir as músicas pela melodia, sabemos que a letra e a sua mensagem são fundamentais para entender a totalidade da obra. O artista Ednardo, com as habilidades de transmitir a mensagem de forma implícita, obteve sucesso com a música “Pavão Misterioso”, que compõe o álbum “O romance do pavão mysteriozo” (1974).
A música foi utilizada na obra “Saramandaia” (1976), uma novela que se inspira em um fato verídico ocorrido na cidade gaúcha de Não-Me-Toque. Na cidade fictícia pernambucana Bole-Bole, a população é convocada para um plebiscito para decidir se há mudança no nome do município. Em um ambiente exótico com personagens cômicos, a novela reflete bem o movimento de controle político de bens que pertencem à população local e fazem parte da história da cidade. A música escolhida também conversa com o regime militar, que buscou impor autoridade no período vivido pelo Brasil:
Pavão misterioso
Meu pássaro formoso
No escuro dessa noite
Me ajuda cantar
Derrama essas faíscas
Despeja esse trovão
Desmancha isso tudo
Que não é certo não
Pavão misterioso
Meu pássaro formoso
Um conde raivoso
Não tarda chegar
Não temas, minha donzela
Nossa sorte nessa guerra
Eles são muitos
Mas não podem voar

3. “Irmãos Coragem” de Nonato Buzar
A terceira música da lista é uma composição de Nonato Buzar e Paulinho Tapajós, dois artistas fundamentais para a música brasileira. Trazendo elementos rurais, a letra retrata a necessidade de enfrentar a vida com coragem, amor e garra no trabalho e nas relações pessoais.
A novela Irmãos Coragem, transmitida entre os anos 1970 e 1971, foi a precursora de um novo estilo de telenovela produzido pela TV Globo. A obra se passa em Coroado, uma cidade fictícia no cerrado goiano, com foco em três irmãos: João, Jerônimo e Duda Coragem. Entre injustiças políticas e paixões, a telenovela traz mensagens valiosas que se estendem aos dias de hoje, tudo isso ambientado pela famosa música de abertura:
Manhã despontando lá fora
Manhã já é sol, já é hora
E os campos se abriram em flor
E é preciso coragem
Que a vida é viagem
Destino do amor
Abre o peito coragem, irmão
Faz do amor sua imagem, irmão
Quem à vida se entrega
A sorte não nega
Seu braço e seu chão

“Io ti Propongo” de Iva Zanicchi
Com sua voz suave e encantadora, a cantora italiana Iva Zanicchi é incorporada com a música romântica “Io ti Propongo” na novela “A Viagem” (1975-1976). A música, composta por Roberto Carlos e Erasmo Carlos, tem como título original “Proposta” e foi interpretada por diversos artistas internacionais, incluindo a artista italiana.
A trilha sonora traz identidade para o relacionamento de Lisa e Téo, interpretado por Elaine Cristina e Tony Ramos, respectivamente. Em 153 capítulos, o casal é entrelaçado no restante da trama que se inicia com Alexandre (interpretado por Ewerton de Castro), um playboy que matou um homem em uma tentativa de roubo. Sem apoio do amigo advogado e de Lisa que o largou, a família lida com o suicídio de Alexandre na cadeia. Com um toque de mistério, o espírito de Alexandre planeja uma vingança contra os que lhe viraram as costas e faz a vida de todos os personagens virarem ao avesso.
Com essa tensão na narrativa, a escolha pela música interpretada por Iva Zanicchi traz equilíbrio e suavidade para o espectador, mostrando que a vida sempre tem um toque de caos e romance:
Io ti propongo (Eu te proponho)
Restiamo insieme (Ficarmos juntos)
Non andare via (Não vá embora)
Lasciati amare (Deixe-se amar)
Fammi tremare (Me faça tremer)
Lasciati andare (Deixe-se levar)
Io ti propongo (Eu te proponho)
Di darme il corpo (De me dar o corpo)
Dopo l’amore il mio conforto (Depois do amor, meu conforto)
E a questo punto (E a essa altura)
Le prospettive (As perspectivas)
Che me chiedi tu (Que você me pede)

“One Day In Your Life” de Michael Jackson
Outro par romântico que teve uma trilha sonora marcante foi Mário (Francisco Cuoco) e Irene (Suely Franco) na novela “Cuca Legal” de 1975. A obra de Marcos Rey gira em torno de Mário Barroso, um piloto de aviação solteirão que se relaciona com três mulheres de diferentes classes sociais. Na dificuldade de escolher uma delas para ser a mãe de seu filho de “cuca legal”, Mário conta com a ajuda de Dalva (Elza Gomes), sua mãe e melhor conselheira. Irene, por suposto, é uma moça de classe média, carinhosa e carente que dava aulas de piano para compensar a frustração de não ter se elevado profissionalmente no ramo. O encontro desses dois personagens tocou o coração do público e deixou a audiência ainda mais na expectativa para saber o veredito de Mário.
A escolha da música não é ingênua: Michael Jackson, considerado o rei do pop, colaborou muito com suas canções românticas, como “I Just Can’t Stop Loving You” (“Eu Simplesmente Não Consigo Parar de Te Amar”) , “The Girl Is Mine” (“A Garota É Minha”) e “One Day In Your Life” (“Um Dia Em Sua Vida”), sendo este último a trilha sonora que envolveu ainda mais o público com o romance dos personagens:
One day in your life (Um dia em sua vida)
When you find that you’re always waiting (Quando você descobrir que esteve sempre esperando)
For a love we used to share (Por um amor que nós costumávamos dividir)
Just call my name, and I’ll be there (Apenas chame meu nome, e eu estarei lá)
You’ll remember me somehow (Você se lembrará de mim de alguma forma)
Though you don’t need me now (Embora não precise de mim agora)
I will stay in your heart (Eu ficarei em seu coração)
And when things fall apart (E quando as coisas desmoronarem)
You’ll remember one day (Você se lembrará um dia)
One day in your life (Um dia em sua vida)
When you find that you’re always lonely (Quando perceber que você está sempre sozinha)
For a love we used to share (Por um amor que nós costumávamos dividir)
Just call my name, and I’ll be there (Apenas chame meu nome, e eu estarei lá)

“Fascinação” de Elis Regina
Sem novidades, Elis Regina, um dos principais nomes do MPB, também colabora com suas canções para a história da novela brasileira. A telenovela “O Casarão” de 1976 retratou a realidade de cinco gerações da família que tinha a residência como herança. O diferencial dessa novela é a protagonização de diferentes personagens: o enredo é dividido em três épocas distintas apresentadas simultaneamente, atravessando o tempo entre 1900 e 1976.
A música “Fascinação” é, originalmente, uma canção francesa escrita em 1905 pelo violinista Dante Pilade “Fermo” Marchetti, com letra do ator Maurice de Féraudy. Foi traduzida para o inglês e, posteriormente, o radialista Armando Louzada criou uma versão em português que foi interpretada por muitos cantores, inclusive Elis Regina. Apesar da curta duração, Elis interpreta a música de forma profunda e poética, transmitindo um sentimento intenso e envolvente:
Os sonhos mais lindos sonhei
De quimeras mil, um castelo ergui
E no teu olhar, tonto de emoção
Com sofreguidão, mil venturas previ
O teu corpo é luz, sedução
Poema divino, cheio de esplendor
Teu sorriso quente inebria e entontece
És fascinação, amor
Teu sorriso quente inebria e entontece
És fascinação, amor

7. “Estúpido Cupido” de Celly Campello
A música de Celly Campello compôs a novela “Estúpido Cupido” (1976-1977), a última obra televisiva gravada em preto e branco. Na cidade fictícia de Albuquerque, no interior de São Paulo, a estudante normalista Maria Tereza (interpretada por Françoise Forton) almeja ser a Miss Brasil. Seu parceiro, João Guimarães (personagem de Ricardo Blat), no entanto, quer prendê-la e limitar os sonhos de sua parceira.
A novela ambientada em uma cidade cheia de jovens do início da década de 60, a canção preenche e convida o espectador a se divertir com a trama. Com acordes do rock e do twist, Celly Campello conseguiu marcar uma geração inteira com essa música que se transformou em uma memória afetiva para muitas pessoas.
Mas, seu Cupido, o meu coração
(Oh-oh, Cupido) não quer saber de mais uma paixão
(Oh-oh, Cupido) por favor, vê se me deixa em paz
(Oh-oh, Cupido) meu pobre coração já não aguenta mais
(Oh-oh, Cupido) hei, hei, é o fim
Oh-oh, Cupido, vá longe de mim
(Oh-oh, Cupido) mas, seu Cupido, o meu coração
(Oh-oh, Cupido) não quer saber de mais uma paixão
(Oh-oh, Cupido) por favor, vê se me deixa em paz
(Oh-oh, Cupido) meu pobre coração já não aguenta mais
(Oh-oh, Cupido) hei, hei, é o fim
Oh-oh, Cupido, vá longe de mim

“Modinha para Gabriela” de Gal Costa
Por último, mas não menos importante, Gal Costa colaborou com uma das canções mais marcantes entre as músicas de novelas. “Modinha para Gabriela” é uma composição do baiano Dorival Caymmi, que concordou em fazer por encomenda o tema de abertura da telenovela. A mensagem da letra, que descreve a liberdade de espírito da protagonista, foi transmitida na voz da artista baiana que eternizou a música por gerações.
A novela de Walter George Durst, que foi exibida em 1975, é uma adaptação do romance “Gabriela, Cravo e Canela” de Jorge Amado. A protagonista Gabriela da Silva é interpretada por Sônia Braga – interpretada posteriormente no remake por Juliana Paes -, que dá vida a uma garota simples do sertão baiano que foge da seca e se instala em Ilhéus. Com seu jeito sedutor, conquistava os corações de muitos homens, mas seu coração era mesmo do estrangeiro Nacib (interpretado por Armando Bógus), que não aceitava seu comportamento de “moleca”.
Assim como a personagem, a música de Gal Costa consegue trazer mais personalidade à protagonista, que tem um gênio forte mas com sua simplicidade sempre aparente.
Eu sou sempre igual não desejo o mal
Amo o natural, etc e tal
Gabriela, sempre Gabriela!
Eu nasci assim, eu cresci assim
E sou mesmo assim, vou ser sempre assim
Gabriela, sempre Gabriela!
Quem me batizou, quem me nomeou
Pouco me importou, é assim que eu sou
Gabriela, sempre Gabriela!
Para que gosta de ouvir música de um jeito diferente
Assim como muitas músicas são atreladas a memórias afetivas, a forma de ouvi-las também impacta na experiência da pessoa que busca as canções para relembrar momentos (ou novelas, no caso). Aproveite e conheça a nossa Discoteca Oneyda Alvarenga, que fica aos fundos da Biblioteca Sérgio Milliet e fica aberta de terça a sábado, das 11h às 17h. Nada como reviver os tempos com estilo!