#OcupaCCSP: as trocas e a convivência entre as diferentes gerações

O CCSP proporciona inúmeras atividades segmentadas, como teatro (infantil, jovem ou adulto) e oficinas voltadas para públicos de diferentes faixas etárias realizadas pela Ação Cultural, de mostras direcionadas ao público infantil a debates de questões que permeiam o dia a dia dos mais jovens. Existem ainda, no entanto, aquelas dirigidas a todos os públicos, do cultivo da horta às mostras presentes no programa de exposições, independentemente da faixa etária de cada um. Com isso, é natural que diferentes gerações convivam no mesmo espaço, tanto em relação ao público quanto aos funcionários da instituição, que contemplam uma faixa etária extensa, dos 18 aos 80 anos.

Na Antropologia, uma das definições mais bem aceitas de Cultura é a do britânico Edward Tylor (1832-1917): “é este todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade”. Mais crucial do que definir Cultura, entretanto, é reconhecer que ela é um dos principais fatores que diferenciam o humano das outras espécies. Ao mesmo tempo, este conceito dá conta da pluralidade da espécie e quão vital para o desenvolvimento de um povo ele é.

Tomando como base essa acepção do termo, 42% dos brasileiros não frequentam espaços que proporcionam experiências culturais no geral. Apesar de o número ser muito alto, é preciso ter em mente que o preço da cultura no Brasil também é muito alto, já que projetos culturais têm cada vez menos investimentos – o Ministério da Cultura chegou a ser extinto em 2019, tornando-se uma Secretaria do Ministério da Cidadania –, sendo raras exceções algumas iniciativas de bancos privados e o minúsculo orçamento público reservado para a cultura.

Pensando nisso, é importante considerar que, em primeiro lugar, uma geração é composta de um grupo de pessoas que experienciou o mesmo contexto histórico-social e os mesmos problemas concretos e coletivos e, em segundo, atentar-se ainda para como as diferentes gerações transformaram o modo de consumir cultura na história recente. Embora sejam cada vez mais bombardeados com informações e formações precoces de cursos técnicos a atividades complementares regulares, como o judô e o inglês, os jovens compõem a geração que mais consome cultura de um modo geral.

Na pesquisa do húngaro Karl Mannhein (1893-1947), pioneiro no assunto, ele destaca a questão existencial presente nas teorias geracionais e como esse fator se sobrepõe à temporalidade. Além disso, o sociólogo destaca a necessidade de transmissão constante dos bens culturais acumulados de um grupo a outro e o caráter contínuo das mudanças geracionais.

No século 21, entende-se que a referência para o estudo das “primeiras” gerações presentes na pesquisa é o período da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), que inclui aqueles que lutaram nela – a Geração Perdida –, os que nasceram nas primeiras décadas do século 20 – a Geração Grandiosa – e aqueles que nasceram depois, já na época da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), – a Geração Silenciosa. No Brasil, porém, todas essas gerações são comumente tratadas por “tradicionais” uma vez que, em sua maioria, este grupo de pessoas foi concebido logo após a “abolição” da escravatura ou chegou da Europa durante estas mesmas décadas.

 

No caso da geração nascida após a Segunda Guerra Mundial, temos aquilo que marca o retorno dos soldados estadunidenses e soviéticos para suas casas – veio ao mundo em um crescimento gigantesco da taxa de natalidade –, o baby boom. Com isso, essa primeira geração após as guerras é chamada de babyboomer e é marcada pela relação “saudável” dos jovens com as instituições e posicionamentos explicitamente contrários à guerra – mais especificamente, a do Vietnã, a primeira a ser transmitida para todo o mundo com a chegada e a popularização das televisões.

Depois dessa, chegaram ao mundo as chamadas gerações X, Y (millenials) e Z (centennials), correspondentes aos nascidos, respectivamente, nas décadas de 1960-80, 1980-90 e na virada do século 20 até os primeiros dez anos do seguinte. Nesses casos, as principais experiências coletivas dizem respeito ao crescimento de ataques terroristas no Hemisfério Norte e guerras civis e desastres naturais no Hemisfério Sul, mas principalmente aos avanços tecnológicos da época. Enquanto o grupo pertencente à geração X só veio a ter contato com computadores e celulares na vida adulta, os millenials se apropriaram desses aparelhos na juventude e os centennials já nasceram no auge do desenvolvimento das tecnologias eletrônicas de difusão da informação.

Todas as classificações elaboradas, porém, devem ser relativizadas e não necessariamente marcam o início e o término de cada uma, apenas apontam para uma tendência comportamental dos grupos de indivíduos que viveram momentos tão conturbados e extremos da história contemporânea. Não há um consenso entre sociólogos e antropólogos sobre as especificidades de cada geração, mas essas referências colaboram no estudo da nossa atual estrutura social.

É importante pensar que, assim como a sociedade se transforma, a educação e a cultura acompanham suas transformações e por isso as novas gerações possuem uma formação diferenciada em muitos níveis. Os valores transmitidos são, normalmente, aqueles que a geração anterior julga mais importantes e os professores, embora incluam como parte essencial de suas aulas e discussões a própria personalidade e as próprias referências, tentam transmitir aquilo que sua formação, influenciada pelas descobertas da geração passada, também teve de diferente e inclusivo.

É comum ouvir uma geração ser acusada por outra de ser muito “sensível”, “distraída”, “egoísta”, etc. Contudo, características como essas são inerentes a todos os seres humanos e apenas se manifestam de formas diferentes em cada um, tanto de forma individual como coletiva. Gerações mais recentes, por terem uma educação mais avançada e plural, possuem, por exemplo, uma valorização no conceito de inclusão maior do que o conceito de disciplina – algo que, em gerações antecedentes, não obtinha o mesmo valor.

Na classe média de nossa sociedade, por exemplo, é frequente o hábito de pais e/ou responsáveis lerem para os filhos antes que eles durmam. Contações de histórias e idas ao teatro também se incluem na ideia de que é necessário preencher o cotidiano das crianças e jovens com narrativas e, consequentemente, uma vida cultural. No entanto, o mesmo não ocorre com igual frequência na maior parte da população pertencentes a outras faixas etárias. A demanda do trabalho e, consequentemente, do lucro, ocupa o tempo daqueles que abrem mão de narrativas fictícias e acabam transferindo essa necessidade para pessoas reais, alimentando fofocas, fake news, a audiência de novelas e outros gêneros narrativos mais simples e populares.

Entende-se, dessa forma, que é necessário um contato com a cultura na formação de um sujeito, mas, em boa parte dos casos, esse contato se perde e dá lugar a outros tipos de entretenimento sem o mesmo caráter pedagógico e formador. As narrativas populares são essenciais para uma boa convivência, mas reservar o espaço e o contexto adequados para elas também se mostra crucial para que não haja dúvida daquilo que se refere a dados objetivos e, portanto, mais próximos de alguma verdade, e à ficção.

Com isso, a forma de consumir cultura também se altera, com os jovens priorizando o consumo digital, por meio dos serviços de streaming, por exemplo, e os adultos optando pelo consumo mais tradicional, com CDs, DVDs, livros físicos, etc. Um não substitui o outro, porém, e a coexistência de ambos é justamente o que de mais rico a contemporaneidade tem para oferecer.

Enquanto o humor de gerações antecessoras se concentrava em trocadilhos, piadas tradicionais, narrativas e trejeitos de terceiros, o humor da geração Z, por exemplo, é mais pautado na ironia, na intertextualidade – em referências a séries, filmes e outros lançamentos recentes – e na visualidade (com memes, por exemplo). Traços como este são essenciais para entender o comportamento e a identidade do “outro”, retraçando o caminho histórico que levou determinada geração a se sentir de tal modo e contornando o que pode ter colaborado na formação daquele grupo de pessoas.

Abrir-se para as novas possibilidades de existir, assim como é necessário atualizar-se com novas tecnologias, estilos musicais e lançamentos de filmes e livros, envolve ter em mente o que já foi feito antes de chegarmos ao momento presente. É muito grande a chance de aquilo que está sendo discutido hoje muito provavelmente já ter sido parte de pautas semelhantes tempos atrás. A cooperação entre as gerações é necessária para que as trocas de aprendizado ocorram, por mais que isso exija paciência, atualização e diálogo de todos os envolvidos.

 

+Para saber mais:

 

SOUSA, Maria Clara Paixão de. “Ler a prosa do mundo hoje”. Acesso em: 10 de agosto de 2019.
Site da Secretaria Especial da Cultura
Folha: 42% das pessoas não consomem cultura no Brasil
BRUM, Eliane. “A potência da primeira geração sem esperança”.

 

Texto: João Vitor Guimarães
Revisão: Paulo Vinício de Brito
Ilustração: Marina Ester

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